15.9.05

Lapso e cacos de vidro

Acordo às 23 horas com certo amargor na boca e telefono para Patrícia.

- Vamos nos ver?
- Não sei. Quando?
- Agora.
- Agora nem pensar.
- Preciso conversar com você
- Acha mesmo que temos alguma coisa pra falar um ao outro?

Jantamos em silêncio. Tudo parecia vago. Nosso encontro, despropositado. Sem nexo.

- Hoje faz três meses que eu disse que não te amava mais - eu falei muito naturalmente, voz baixa, sem levantar os olhos, como quem diz “passe o sal, obrigada”.
- Af! Então saímos para comemorar, é isso?
- Eu te amo Patrícia.
- É? E eu acredito no Bob Jeff. Olha, eu não vim aqui pra isto. Acho que falamos exaustivamente sobre nosso pseudo-relacionamento. Você foi muito claro da última vez, límpido até, e foi abaixo de muita mágoa que eu decidi que não importa o que aconteça, não quero mais você na minha vida.

Vontade de pedir à Patrícia “põe a mão aqui, pega aqui, vai! Veja como estou por você”. Mas precisava respeitar o momento. Afinal, ela tinha razão. Eu sou um idiota.

- Fiz um painel com seus textos, suas cartas, suas fotos, suas pinturas. Você está por todo o meu apartamento. Volta pra mim?
- Você me diverte muito, Raul.
- É? Põe a mão aqui e veja como estou desde a hora em que falei com você ao telefone. O jeito que fico desde a primeira vez que te vi.

Patrícia não pegou nem achou graça.

Levantei e fui ao banheiro. No caminho, um sujeito de cabelos bem penteados e camisa azul, abotoada até o pescoço, levanta-se da mesa: “Oi, permita-me que eu pergunte, a moça de amarelo que está com você, é...e..Estão juntos?” Eu apenas disse: Ela é muito bonita, não?

Quando voltei, o engomadinho estava sentado no meu lugar. Patrícia sorria ternamente para ele, o que me deixou furioso. Sem dizer uma palavra, peguei Patrícia pela mão e deixei sobre a mesa a quantia suficiente para pagar a conta. O cara ficou lá, a nos olhar com aquela cara de babaca que ele tinha. Fomos para minha casa.

Patrícia tirou a roupa. Eu tirei a camisa. Patrícia realmente me excitava. Cabelos muito negros e lisos que varriam seus ombros suavemente, enquanto se despia. Fazia aquilo como se fosse um ritual. De um jeito de quem sabe estimar o próprio corpo. Como quem diz me veja, veja o que tenho aqui, você quer?

Tem olhos profundos. Um olhar inquieto que parece rasgar a lógica de tudo. Corpo perfeito: de costas há uma simetria bem desenhada de ossos e curvas; de frente, peitos tensos e suaves ao mesmo tempo. Sólidos. De um tamanho que não se pode controlar a vontade de levá-los a boca e salivar, beijar, morder. Quadris largos acomodam a bunda de carne firme e segura. O osso ilíaco, as ancas, que transparece mesmo quando Patrícia está vestida fica ainda mais estimulante quando está nua.

Ereção. A beleza dela fez meu corpo estremecer. Secou minha boca. Agitou meus dedos. A sensação do imã no corpo. Ninguém poderia deixar de assombrar-se com sua composição. Com seu sorriso. O triângulo de delicada penugem. Meu desejo enfurecia-me e Patrícia veio em minha direção. Pensei numa porção de coisas libidinosas enquanto ela se aproximava. Caminhava de um jeito requebrado. Movimento. Tensão. Movimento. Tensão.

Patrícia foi empurrando muito vagarosamente seus seios contra o meu tronco. Deitamos. Me sentia num estado de idiotia permanente. Euforia constante. Beijei o pescoço dela. Lambi os seios dela. Os mamilos endureceram. Apaguei a luz. Vinha um feixe de luar pela fresta da janela que iluminava partes do corpo de Patrícia, de acordo com a posição que ela estava. Peguei seus cabelos, passei as mãos repetidamente em seus ombros, encontrei suas coxas. A parte interna das coxas. Patrícia estava úmida. Muito rápido e dissimulado tirei minha calça.

Ereção ainda mais forte. Eu era um ostentador. Um exibicionista. Fiquei olhando pra mim pra chamar a atenção de Patrícia. Ela me abraçou daquele jeito que se abraça quando se está magoado. Estendi seu corpo relaxado e devasso sobre a cama e segui a curiosidade da minha língua. Ela estava de olhos fechados. Dedilhei todos os pontos de junção do seu corpo. Sentia um prazer muito íntimo em olhar para Patrícia. Uma ansiedade de menino. De me lambuzar com o cheiro de cada parte do seu corpo. De matar a secura dela. A saudade. Mas Patrícia não estava ali. Tampouco eu estava ali.

Levantei. Vesti minha roupa. Coloquei de volta a roupa de Patrícia. Tinha um rosto melancólico. Salvo o olhar, Patrícia mantinha sempre aquele ar melancólico, mas quase sempre sorria. Fingindo. Para que pensassem que estava alegre. Para que imaginassem que era feliz.

- Eu realmente não te amo mais – ela disse sem conseguir esconder a tristeza que sentia por isso. Como se sentisse insatisfação por não me amar mais.
- Tudo bem, eu posso te conquistar de novo – eu rebati mais sem graça do que nunca.

Perturbador ouvir aquilo daquele jeito verdadeiro que parecia ter na voz dela. Depressão instantânea. Não tive coragem de pedir que ficasse. Vi Patrícia indo embora sem me beijar, sem me abraçar, sem chorar. Só aquele par de olhos profundamente inquietos que me faziam entender que, de alguma forma, nos arrependeríamos por muito tempo, eu e ela, pela falta de jeito que tivemos para amar um ao outro. Pensei em pedir desculpas. Mas foi ela quem me disse:

- Me desculpe, Raul. Algo muito forte em mim se quebrou. Ou endureceu, não sei bem. Não quero mais te ver.

E foi. Um jeito de ir que abriu o cofre fechado dos meus tormentos. Foi e deixou tudo no mais amargurado vazio. Deixando tudo vazio. No mais dilacerado torpor.

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