7.2.12

mulher pacata

meu nome é nilza. eu estou vivendo um período de adaptação. quer dizer, faz um ano e meio já, mas isso não é nada perto dos 36 anos que eu vivi desgraçadamente com ele, debaixo do mesmo teto. tenho 53 anos e quatro netos. nem é bom contar pois a minha vida daria um livro. meus filhos estão bem, graças a deus. meu guri já têm dois rapazinhos, o mais velho dele é agarrado em mim que só vendo. minha nora cuida bem deles. do jeito dela, mas cuida.

eu me separei no final do ano retrasado. ele era alcoólotra, daqueles de beber perfume. não tinha hora do dia em que ele não recendia à bebida. mas naquela noite acabou. eu dei um basta nele. eu vivia dizendo que um dia eu dava um jeito naquela situação, podia demorar, mas quando eu saísse não voltaria nunca mais, pelo menos não enquanto eu tivesse vergonha na cara. eram umas sete da tarde quando ele chegou, arrebentando o portão, trocando as pernas.

eu tava na cozinha conversando com o meu filho e a minha filha. o meu genro também tava lá. eu não sei até hoje o que deu naquele homem, mas ele entrou porta adentro e já partiu pra cima de mim. ele tava possuído, dizendo que eu não prestava. uma fúria que eu nunca tinha visto igual. maldisse até a existência dos nossos filhos. começou a jogar as coisas no chão, tudo o que via pela frente, ninguém segurava. ele nunca quis que eu engravidasse.

se a janaína e o alexander tão aí hoje, os dois com saúde e família, foi porque eu lutei para eles nascerem. o agenor não aceitava de jeito nenhum. casei com 17 anos, queria sair da casa dos meus pais. ele não bebia na época, era seis anos mais velho que eu, tinha um trabalho de carteira assinada e gostava de passear. eu casei apaixonada. consegui estudar só até a quarta série, mas depois que meus filhos terminaram o colégio, cresceram e arranjaram trabalho, foi a minha vez.

eu voltei pra sala de aula aos 45 anos. fiz o eja, até a oitava série e depois o ensino médio - que no meu tempo se chamava colegial. a primeira vez que ele me bateu foi quando eu voltei a estudar. quando as crianças ainda eram pequenas, ele me deu lá uns tapas, mas não ficou nem marca. tive que ir dormir na casa da minha vizinha, tarde da noite, com a janaína ainda de colo. eu fiquei assustada com o ódio que ele tava de mim, me empurrando pela casa.

ele não era desses de me bater sempre, o problema dele é a bebida. era sábado quando ele chegou endiabrado daquele jeito, querendo confusão. meu genro, que não sabe da missa a metade, quis gritar mais alto que ele. aí o agenor começou a agredir a minha filha. eu levantei da cadeira, abri a gaveta, peguei um martelo de carne e acertei em cheio a mesa de vidro. ele nunca quis que meus filhos nascessem mas eu jurei pra mim mesma que jamais aceitaria que ele encostasse um dedo naqueles dois.

ficou todo mundo me olhando com cara de assustado. eu saí de casa no mesmo dia. nunca mais voltei. nesse meio tempo tive depressão, hernia de disco, morei de aluguel nos fundos de cinco casas diferentes. terminei o colégio e estou no primeiro semestre da faculdade. faço serviço social e tenho aprendido muita coisa com meus professores. é uma turma muito boa, onde eu posso me abrir sem sentir vergonha de tudo que eu passei. me defendo fazendo faxina. eu trabalhei 16 anos numa casa de família. eles eram bons para mim, uma gente cheia da grana.

mas agora se mudaram pra minas gerais. o filho deles tem problema com droga, é viciado e tá numa fazenda lá. o pai é violento. não, comigo. mas coitada da dona maria emília, sofria o diabo nas mãos daquele homem. foi lá que eu aprendi que gente rica é igual gente pobre. ele não bebia, mas ela apanhava muito mais do que eu. e ainda por cima via o filho se acabando no crack. 

é, minha filha, tem coisas que o dinheiro não compra. o meu sonho daqui pra frente é terminar meus estudos e trabalhar na minha área. o agenor é aposentado, ganha bem. agora, deu pra frequentar igreja, diz que parou de beber, me manda mensagem todo dia pedindo pra eu voltar. mas eu não volto nem que a vaca tussa.

eu não te disse que minha vida daria um livro? e isso não é nem a metade. mas diferente das histórias que eu leio na cadeira de realidade brasileira na faculdade, cada uma mais triste que a outra, a minha vai ter um final feliz. ah, vai! eu escutava o agenor falar de mim pros outros: ela é uma mulher pacata e cozinha bem. mulher pacata é o raio que o parta! eu não cheguei até aqui para dar errado. ou eu não me chamo nilza terezinha da silva. 

1 comentario:

A VIDA É UM ETERNO APRENDIZADO dijo...

Bom dia!
Com certeza tua história daria um livro sim,assim como tantas histórias a minha por exemplo rssss
Que bom quando o estudo está bem centrado e como meta na vida.
Que Deus te ilumine sempre.
Grande abraço
se cuida