20.4.05

Desorbitada

Quente. Batuque e dança cantada. O coração apertado. Ânsia impetuosa pelo todo o não sei que virá. Ela caminha como se não estivesse lá nem em outro lugar. A mente suspensa e só. O que você disse? Ela finge interesse na conversa do moreno de camiseta amarela. Um gato. Um babaca. Ele. Ele. Ele. O outro, não aquele. Ela faz força pra prestar atenção no seu próprio movimento. Levanta os braços de olhos bem fechados. Pendula entre o passado e o futuro.

E estaciona sob um certo número de lembranças. Do tempo em que era dois. Mas ela não fica em casa não. Ela vai à forra. Mulher moderna. Mulher apenas. Fica revendo as cenas. O cabelo suado dele brincando no seu rosto. O olho no olho. O uísque nacional de agora. Nacional, somente produtos nacionais, ela aprendeu com ele. O moço da camiseta amarela estreita a cintura dela. Ela é lapso. Sem opção precisa, lança sorriso.

Ri por ternura, para alegrar o moço inócuo. Tão puro ainda, ela pensa. Tão inofensivo. E nem sabe que é. Vai ver nunca sentiu dor. A dor que ela sentia. Por que ela, meio por erudição, meio por empirismo, já sabia que tem coisas na vida que a gente vai deixando de ser. Vai deixando. E quando vê, já era. Calor infernal nesta boate, ela disse. Ele avançou pro beijo. Ela hesitou. Retrocedeu.

E renunciou ao carinho do moço tão gato e babaca e inocente de camiseta amarela. Não eram os beijos. Não eram aquelas luzes. A música. Não era nada daquilo. Nem mesmo a amargura surda que ela desvendava no ventre enquanto imitava bailarina desorbitada. Ela queria um tempo que já passou. Um tempo em que era amada. O cara de amarelo insistiu. Ela sorriu largo. Sorriu e riu. Gargalhou. Guti-uísque-nacional. E prendeu o rosto dele entre suas mãos. Mais tarde, entre suas pernas.

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