5.7.06

Dilacerado

Tudo é ausência no meu apartamento. Estou longe de quem quer que seja. Ninguém me enternece. Coisa alguma me comove. A cabeça cheia, o copo vazio, as paredes descascadas, as mãos frívolas. E eu aqui, empilhado nos vizinhos, sozinho neste bloco velho, num lugar que não é meu.

Meu peito está comprimido. Há muito tempo nenhuma mão me toca, não sinto tesão, sequer um arrepio. Estou com dor nas costas, nos pés, nos ossos. Na alma.

Eu transaria homens e mulheres hoje. Qualquer coisa por uma fagulha de ternura, pra me desfazer da secura, da dura frieza da solidão. Porque a solidão corta. Enche a gente de talhos e calafrios. Nos deixa contidos, nos priva do calor do outro. Do amor do outro. E das descobertas que isso pode trazer se a gente souber aproveitar. Se pudermos nos abrir o suficiente para receber.

Mas estou trancafiado e nenhuma gente é agradável. Nenhum lugar é confortável. Não me sinto bem em mim. Eu sou o descontexto e não lembro em que esquina perdi meu sorriso. Onde foi que desviei? Como faço para voltar? A todo passo, morro. Viro areia, pó, cinza, farelo...Uma lembrança dolorida do que fui. Digo pra mim mesmo que não sou assim, desgastado, estanque.

Mas é assim, cansado e impotente, que me sinto agora. Hoje eu toparia qualquer vício por um pouco de viço, por uma brecha de luz. Por um pouco de ar, de tranqüilidade.

Onde encontro um pouco de leveza? Quando voltarei a respirar profundamente? Onde busco propósito? Quem me aponta um motivo? Quem me ensina a reaver? Onde posso mergulhar, me deixar correr? Como me arranco deste beco? Eu não lembro o que é prazer.

Eu queria ter um pouco de coragem. Levantar deste canto gelado e escuro e sair porta afora. Entrar no primeiro bar, pedir licença pro desconhecido e sentar na mesma mesa. Acender o cigarro dela ou dele. Conversar amenidades e me sentir acompanhado. Sorrir e fingir que tenho alguém.

Um lugar com pouca luz e sem espelhos. Sem nenhum reflexo de mim e desta minha cara arrebentada de desespero. Não quero que minha escuridão corrompa o meio. Só um lugar onde eu possa fingir sanidade. Cumprimente as pessoas. E responda sim, tudo bem, para quem perguntar cordialmente como tenho passado.

E eu só tenho passado. Minha vida é pretérito. Eu, preterido. Coitado, fadado ao sonho, dizem por aí, eu sei. Falam muito. Mas ninguém sabe onde estou. Aqui não há brilho ou cor. Só esta agonia cravada nos meu olhos, como duas agulhas.

Dói meu estômago e não tenho fome. Sei que não vou morrer, embora mereça. É tudo um ensaio para o meu triunfo. Um dia eu ainda saio do buraco sujo do dia-a-dia com horário de funcionamento. Das cortesias sem apreço. Dos abraços sem calor. Dos talões e cartões. Do crédito. Do débito. Das contas. E tantas outras correntes

Estou me fodendo pra dinheiro. Não posso comprar nada que preciso, nem posso competir com ninguém. Meu inimigo mora em mim. Sou eu quem me saboto e vou criando necessidades pra suprir o meu vazio de existir. Cuidado, eu recomendo. Por que quando a gente vê, já era. Foi assim comigo.

Quando dei conta de mim estava tão colocado na engrenagem que parecia que tudo ia ruir se eu saísse. Então eu fiquei no mesmo lugar, quietinho.

E caí.

Caí
até
onde
não

mais
chão
para
cair.

Estou tão imerso e com tanto medo que não consigo me mexer. Me sinto rasgar em pedaços. Estou imóvel e sei que choro porque vejo as lágrimas molharem o piso. Meu corpo está sulcado de solidão e descobri que não importa o que eu simule querer, eu só quero amor. Poder, satatus, socialismo, religião. Tudo é superficialidade. Eu sou um fingidor, não me reconheço mais, todos foram embora.

É só pelo amor que ainda estou aqui. Um dia ele vem pra mim. Não como uma luva, mas como um casaco difícil de fazer caber. Um amor assim, com todas as letras. Sem nexo nenhum. Um amor honesto e só. Verdadeiro e só. É por este amor que eu ainda tolero os golpes e coagulo minhas feridas.

Eu sei que ele vem pra mim.

Por hoje, me bastam outros. Líquido de fêmea ou macho, tanto faz. Olhos, estímulos, pêlos. Lubricidade, calor e outras conveniências.

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