22.3.05

Balas, garfo e liberdade

Tinha 43, a Marisa. Casada por vinte anos, desquitou há dois. Desde então, 16 quilos a mais. De poucos amigos, sonhava ter filhos, mas Clóvis nunca quis. Difícil de superar, a separação foi um trauma. Perturbada, não entedia por que não havia dado certo. Dedicava-se inteiramente a ele. Fazia tudo por ele. Amou-o com tudo que pôde. Mais do que tinha. Passou sua vida a ele, entregou sua juventude.

Agora, só ódio. O resto da agressão emocional, moral. Repugnava sua existência. Que morra o filho-da-puta ! repetia diariamente à Joana, colega de trabalho. Aquele era o primeiro emprego dela. Balconista de uma farmácia homeopática, localizada na Rua dos Lamentos, centro da cidade. Joana, jovem, de carne firme e seios empinados, arrogantes até, mesmo sem querer, era o penico das amarguras conjugais da amiga avulsa. Aquele cafajeste só aparece quando precisa de alguma coisa – dizia, entre uma mordida e outra na pizza ou no biscoito amanteigado ou no bolo, sempre de laranja com cobertura de chocolate.

De tempos em tempos, Clóvis ia até a casa da ex. Sedutor, não suprimia beijos, não poupava mãos, não economizava palavras carregadas de tesão até que Marisa, desarmada, olhos fechados, braços, pernas, boca e coração abertos, se rendia aos exageros dele.

Depois, relaxado, ele reclamava do trabalho, do dinheiro raro, do quão estava sendo duro pagar as despesas. Ela já havia se prometido que não. Não. Nunca mais vou emprestar um tostão praquele desgraçado! Mas, comovida, cedia. Fazia depósitos ou lançava mão de dinheiro vivo, ali mesmo na cama. Sempre a mesma situação: primeiro sexo, depois a grana. Um lixo. Eu sou lixo!

Aquilo, um vício.

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