Passante II
É primavera, mas faz frio. A cidade se enfeita de ipês e jacarandás. O vento sopra levando pólens prá cá e prá lá. A natureza namora. Fecunda. Os casais sentados nos bancos da Praça da Alfândega namoram. Ele não. Ele tem sua condição solitária.
Nabor era desses moços prestes a.
Destes que andam presunçosos pela Rua da Praia a qualquer hora de domingo. Supunha que tudo era possível ao passo que caminhava. Ares despreocupados. A mão direita no bolso esquerdo da calça já velha querendo encontrar um papel desbotado com um telefone qualquer. Achou o isqueiro. E uma nota de cinco reais.
Nada mal, pensou, mantendo o olhar mudo de quase sempre. Era o preço do cinema na Casa de Cultura. De um par de brincos na banca indígena. De cinco pipocas a cinco metros. De duas cervejas. Negociou um brinco só e sentou-se no boteco da esquina. Divagou.
Divagou pela rua inteira. Remota. Exata. O penteado delicado do cego que vendia a supersena acumulada. O sorriso franco do homem com a folha entre os lábios. E além dali, tudo aquilo que ele via, ouvia e sentia todos os dias, tudo aquilo que fazia com ele diminuísse o passo pra ver, ouvir e sentir melhor. Estava atrasado. Permanentemente atrasado. Inclusive agora.
Não destes atrasos que nos fazem perder a hora. Mas dos que nos deixam pra trás. Um retardo atroz de tanta vida que não foi. Areia de praia na mão aberta caindo, indo, se perdendo. Dilacerando as próprias mãos vazias. O corpo todo vazio, oco.
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