16.3.05

Passante
"Tenha um bom dia minha borboleta".
Ela via, ouvia e sentia

Ela era dessas moças que andam serelepes pela Rua da Praia nas manhãs, tardes ou madrugadas de domingo. Sandálias de couro e bolsa transversal ao corpo. Cabelos simetricamente desordenados. Ares despreocupados. Vezenquando falando sozinha. Olhar presunçoso.

No pensar, questões existenciais que sempre vêm à tona nestas manhas, tardes ou madrugadas dominicais. Tão definitivas! Ao menos até esbarrarem na realidade exagerada das segundas-feiras. Pasta de dente no fim. Engarrafamento. Mau humor contaminante. Domingo não. Domingo é dia de perceber o tédio da vida vazia e relutar. Buscar significados. Perceber o que há. O que sempre há.

A brisa que entra pela janela do metrô lotado. Lembrar do pai que todas as manhãs deixa sua filha na porta da escola bem no horário em que ela passa. E ela sempre olha. E ela sempre ouve. E ela sempre diminui o passo para ouvir melhor. Ouvir aquele senhor, que ela conseguia imaginar cansado, enfraquecido pela rotina, aquele senhor dizendo todos os dias como se fosse pela primeira vez "tenha um bom dia minha borboleta e não esqueça de aprender, papai te ama". Ela via, ouvia e sentia. As unhas bem feitas, o sapato viçoso e o cheiro de alfazema da senhora que servia o cafezinho. O cuidado meticuloso com que se vestia o florista da esquina. Ah...as flores.

É primavera. A cidade se enfeita de jacarandás e ipês. O vento sopra levando pólens prá cá e prá lá... A natureza namora. Fecunda. Os casais sentados nos bancos da Praça da Alfândega namoram. Os pombos namoram.

E era nisso que ela pensava enquanto subia ou descia a Rua da Praia.

No hay comentarios: