25.4.05

Dilacerar

A cabeça cheia. O peito comprimido. Nenhum espaço livre. As mãos frívolas.Tudo é ausência no meu apartamento. E, sozinho, me sinto rasgar em pedaços. Eu transaria homens e mulheres hoje. Qualquer coisa pra desfazer da secura. A dura frieza da solidão. Porque a solidão corta. Enche a gente de calafrios. Nos deixa contidos. Nos priva do calor do outro.

Hoje, qualquer vício por um pouco de viço. Por uma brecha de luz. Pra dar um tempo na dor. Pedir licença pro desconhecido e sentar na mesma mesa. Pra parecer acompanhado. Pra fingir que tenho alguém.

Um lugar sem espelhos, onde não haja reflexo de mim. Onde minha escuridão não corrompa o meio. Onde eu possa fingir sanidade. Cumprimente as pessoas. E responda sim, tudo bem, para quem perguntar cordialmente como tenho passado. E eu só tenho passado. Minha vida é pretérito. Eu, preterido.

Coitado, fadado ao sonho, dizem por aí, eu sei. Mas não me estreito. Eu ainda saio do buraco sujo do dia-a-dia com horário de funcionamento. Das cortesias sem apreço. Dos abraços sem calor.

Das paredes descascadas do meu apartamento. Dos talões e cartões. Do crédito. Do débito. Das contas. E tantas outras correntes.

Um dia ele vem pra mim. De barba por fazer e uma garrafa de champanhe nos braços. Um livro de bolso e histórias quentes na garganta. Ele vem pra me falar do amor. E é só por ele que eu tolero os golpes. Coagulo o corpo talhado de solidão.

Por hoje, me bastam outros. Líquido de fêmea ou macho. Tanto faz. Luzes. Estímulos. Lubricidade, calor e outras conveniências.

1 comentario:

Adriano dijo...

Fernanda,

Não sabia desse teu talento. Muito legais todos os teus escritos. "Canto", por exemplo, é uma letra de blues prontinha...

Grande beijo,
Adriano