19.5.09

O Brasil além do Real

Alcântara (MA) opera com moeda própria

O adesivo fixado na parede do barco que leva passageiros de São Luís (MA) ao município de Alcântara avisa: “Aceitamos Guará”. O anúncio provoca curiosidade. Interessado, um dos turistas a bordo pergunta: “Moço, o que é Guará?” Ao que o tripulante responde, orgulhoso: “É a nossa moeda, nosso próprio dinheiro”, apontando para um outro anúncio pendurado mais adiante.

Ali, o cartaz traz informações sobre uma instituição bancária diferente, implantada pela própria comunidade. Trata-se do Banco Quilombola, o primeiro no País organizado por povoados descendentes de escravos. “Aqui, o gerenciamento das finanças está nas mãos dos moradores”, destaca o agente de economia solidária e desenvolvimento local Sérvulo Borges, um dos idealizadores da iniciativa.

Patrimônio cultural do Brasil, Alcântara reúne um conjunto de belezas naturais e arquitetônicas, mas também é marcada por desigualdades sociais. Desde 1980 o município serve de base para o centro de lançamentos espaciais do governo. “A instalação da base tirou milhares de quilombolas de suas terras, nos deixando num cenário degradante”, conta Borges.

Para ele, o banco comunitário representa uma chance de reverter esse quadro. “É uma forma de creditar às pessoas a possibilidade delas desenvolverem suas vidas, sem que a gente tenha que depender das regras dos bancos tradicionais”, acredita. “Somos uma experiência piloto. Temos o compromisso de dar certo”.


Inaugurado em novembro de 2007, no dia Nacional da Consciência Negra, o Banco Quilombola iniciou suas atividades com R$ 50 mil, dos quais R$ 20 mil repassados pelo Governo do Maranhão - quantia conquistada por meio de seleção pública de um projeto apresentado pela comunidade. Os outros R$ 30 mil são para empréstimos por meio do Banco Popular do Brasil, correspondente bancário que também possibilita o pagamento de contas e boletos pela população local.

Adesão
Ao que tudo indica, a iniciativa foi bem aceita pelos moradores. Já são mais de 800 os correntistas. Os comerciantes também aderiram. Andando pelas ruas de Alcântara, adesivos como o visto no barco multiplicam-se nas portas de estabelecimentos como farmácias e mercadinhos. Até uma funerária aceita o Guará, moeda alternativa que equivale ao Real. “O pessoal do banco veio aqui conversar com a gente e nós entendemos a importância de aceitar a moeda social”, conta a vendedora de caixões Gracilene Pereira (foto).

O objetivo da moeda social é fazer com a riqueza circule dentro do município. “A gente aceita o Guará como aceita o Real. A diferença é que o Guará é um dinheiro que roda aqui mesmo, a gente sabe que não vai sair daqui. É lucro para a comunidade”, afirma o taxista Eudes Duarte.

Dono de um armazém próximo ao Banco, Walter Pacheco se diverte com a originalidade da moeda social. “Todo mundo quer conhecer. Às vezes os turistas querem levar de lembrança para mostrar aos amigos. Pode uma coisa desta? Aí explico que não dá, senão a gente é que fica no prejuízo, né?”.

Metodologia reaplicada
O Banco Quilombola é uma das 40 instituições financeiras da Rede Brasilieira de Bancos Comunitários. O precursor do grupo é o Banco Palmas, que funciona há mais de 10 anos em Fortaleza (CE) e reaplica a metodologia aos demais. “Cada um desses bancos tem sua estratégia, seu conselho gestor e sua moeda social”, destaca Joaquim Melo, presidente da Rede e um dos fundadores do Palmas. De acordo com ele, um dos principais requisitos indispensáveis para montar a instituição é o controle social.

A principal diferença dos bancos comunitários para os tradicionais é que eles não visam o lucro. Em vez disso, apoiam o desenvolvimento local integrado por meio do financiamento de pequenos grupos produtivos. Para empréstimos em Real, a taxa de juros varia de 2% a 4% ao mês. Em moeda social, não há cobrança de juro.

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