2.4.13

defenestrar os demônios


a gente vê as pessoas por aí e nem imagina quantos demônios carregam consigo. quanta angústia cabe num ser humano? por que sempre respondemos que sim, está tudo bem? há um tratado social latente de que todos devemos ser felizes, radiantes, saltitantes. temos que parecer alegres, bem-sucedidos, acordados com padrões estéticos e sintéticos. pessoas em série e devidamente catalogadas, que é pra caber em alguma prateleira deste infinito lugar-comum.

não há espaço para a tristeza. ninguém quer saber de gente triste. eu, que respeito minhas tristezas e nasci uma manteiga derretida, nunca entendi direito este pudor com as lágrimas. chorar sempre me fez bem. alguns mililitros e pronto! recomeço tudo de novo, desoprimida, leve, satisfeita. e não tenho vergonha nenhuma. verto meus sentimentos em qualquer lugar, é só sentir vontade. assistindo a um filme ou mirando a lua cheia. conversando com o namorado, lendo um romance, abraçando a mãe...

tem gente que acha muito estranho, mas pensa comigo: a vida é tão desproposita, por que eu não estaria em desordem? entre certezas e dúvidas, sempre fico com as segundas. claro que disponho de meia dúzia de convicções. são elas que me fazem levantar da cama todos os dias e seguir adiante. acredito na capacidade que temos de transformar o meio, de aprender e compartilhar conhecimentos e sensações. acredito no amor, na solidariedade.

mas fico me perguntando: será que este nosso recato execessivo acerca da sensibilidade não está no fato de que somos todos uns carentes? talvez nos envergonhemos tanto disso que acabamos por inventar escapes e criar inúmeras defesas. temos medo e, por isso, ficamos acuados. logo, é mais seguro que o outro não saiba das nossas fraquezas.

então, investimos em atividades que trazem algum prazer imediato ou simplemesmente satisfazem nosso vácuo pessoal. esoterismo, cerveja, ocultismo, uísque, academia, alimentação inadequada, relacionamentos nocivos, trabalho, trabalho, trabalho. aliás, acho que ser insuportavelmente eficiente é umas das fugas mais procuradas. é bem vista e facilmente aceita pela sociedade - principalmente pelo dono da empresa, claro.

afinal, temos mesmo que ocupar os dias, fazer planos, cumprir metas. investir na profissão é só mais uma delas. a gente precisa se cuidar. não deixar o almoço passar por sanduíche, o sono por televisão, o coração por músculo. em vez de lágrimas, cedemos lugar ao "silencioso desespero", de thoreau. a gente se deixa pra depois.

sei que o "aqui e agora" é a fina flor dos clichês, mas não tem outro jeito. talvez o que a gente precise seja prestar mais atenção. aprender a dizer não e fazer o sim sair mais sincero. se concentrar neste momento. olhar no olho. atentar para o íntimo. saber-nos ínfimos. respeitar os ritmos. defenestrar emoções. e (por quê não?) deixar a lágrima cair.


7 comentarios:

hetera dijo...

Vc sabe, Fernandinha, que a medida da minha sanidade é a capacidade que possuo de chorar desavergonhadamente em público? Quando sinto que estou me tolhendo, reconheço rápido uma nociva doença neurótica...É mesmo preciso estar atento aos olhos...

vc viu isso?:http://www.maisbrasilia.com/2010/Default.asp?Pagina=Noticias_Mostrar&ID_CONTEUDO=2923&ID_AREA=1&ID_SUBAREA=152

Santiago Mourão dijo...

Apoiadíssimo, Nanda.

Beijos saudosos.

Anónimo dijo...

será que é das piscianas o 'poder' de chorar ?!?!?!?
bjs
Josi

mario dijo...

falar o que? mais do que parabenizar, quero agradecer! valeu!

Fabi dijo...

Nandinha, precisava ler isso que vc escreveu....

Mariana dijo...

Engraçado ler isso hj, logo hj que consegui entender que ando vertendo em colapsos porque não encontro aconchego para o que falta dentro de mim. Difícil lidar com tristezas num mundo que diz que pra tristeza há sempre de existir colo. Só que há hora em que não pode haver colo. E aí é aceitar o colapso!

MS dijo...

Que maravilhoso! Me traduziu os sentimentos..