10.9.10

o desabrochar da seca


faz mais de 100 dias que não chove em brasília. nesta época do ano, o chão aqui vira barro seco. a poeira corre para todo lado e a fuligem das queimadas entra pelas janelas. não há umidade no ar. andando pela aridez do planalto, sob o sol do meio dia, respirar exige certa concentração.


reclamar do tempo seco vira o passatempo preferido da população. é compreensível, pudera: o céu é tão azul e luminoso que quase oprime a gente. nenhuma nuvem passeia, nenhum passáro arrisca voar. e o dia inteiro brilha dentro dos nossos olhos.


o cerrado se revela nas sua característica mais marcante: o arvoredo sem folhas, a casca dura das árvores. as flores coloridas de outrora estão caídas sobre o chão. não se vê quase nada de frutas pelas calçadas - pois, para quem não sabe, brasília é tomada de árvores frutíferas. são mangueiras, pitangueiras e abacateiros aos montes.


mas não nesta época. agora, o que se mostra são vastos campos de galhos nus e contorcidos. árvores que resistem à falta de água dia após dia, todos os anos, sabe-se lá desde quando. e como são exuberantes na sua magreza desfolhada!

nestes tempos em que apenas o ipê amarelo reina em flor, é lindo ver o que revelam as árvores desarvoradas. a ausência da cobertura viçosa deixa a gente ver vilarejos de joão-de-barro, casinhas de abelhas, de marimbondos e outros tipos que desconheço.

mas as folhas que cobriam as árvores ocultavam também objetos estranhos, que não passariam incólumes ao jogo dos sete erros. olhando com cuidado é possível encontrar esqueletos de pipas, tênis suspensos pelos cadarços e até uma grade protetora de ventilador presa entre os galhos.


dizem que a chuva só vem lá para novembro. enquanto isso, a gente se resolve como pode: muita água mineral e, sobretudo, o escapismo lúdico que esse desabrochar às avessas proporciona.

cada detalhe do cerrado encurta a espera pelo cheiro de terra molhada.
afinal, daqui a pouquinho são pedro não nos dará trégua. e, debaixo d'água, reivindicaremos ansiosos pelo próximo período de seca.

4 comentarios:

hetera dijo...

Completamente a seca brasiliense, Fernandinha. Todos já se preparando para as águas... ;)

Anónimo dijo...

Fernanda, acredite, o cerrado é assim. Sempre foi. Brasília foi feita por causa da constituição da época , que visava colocar as capitais no centro dos países, como proteção em caso de guerra. (paranóia de deputado e senador). A capital, se fosse no Rio, mantida e arrumada constantemente, não seria difícil. Mas já que é a capital, deveria merecer a água subterrânea , com o em israel. Tudo poderia estar florido o ano inteiro e a té o regime climático seria outro. irrigação é o que não foi colocado no projeto . Uma pena, porque a cidade fica inviável para a vida do cidadão comum...

Lua Nova dijo...

Belíssimo. Não sei se já te disse, mas adoro teu jeito de compor o texto. É leve, mas envolvente, prende e nos transporta ao ambiente descrito. Eu, particularmente, acho o cerrado muito lindo, entretanto, acredito que deva ser muito difícil se adaptar a ele nas cidades. Tudo poderia ser diferente se houvesse maior consciência social entre nossos governantes.
Caríssima, postei algumas palavras suas no meu blog branco. Passe lá pra ver e espero que goste. Minha intenção é homenageá-la.
Beijokas.

http://empoucaspalavrasalheias.blogspot.com/

nei dijo...

haikai para relaxar em meio a tanta baixaria da naus dos desesperados insensatos

sementes caem
no chão da minha sala
é primavera