reflexo
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Já reparou no quanto a gente vive de sombras? Ele perguntou assim, olhar vago, como quem joga no lixo um pensamento morto. Poesia de quinta escrita em guardanapo de bar decadente na sexta.

Tinha 26 e aquele apetite de sonhos e representações que só os carinhas de 26 podem ter. Geminiano, meio do céu em peixes, ascendente câncer. Ela já havia conhecido muitíssimos feito ele. Visão romântica da vida, bundinha virada pra lua, pau em riste, baseado em punho e aquele sorriso no olho. Deleitoso. Poetas, bixas, músicos, estudantes de comunicação, história e sociologia. Mesma estrutura e natureza. Uniformes. Todos iguais. O mesmo estilo de deixá-la assim: insuportavelmente maravilhada – tal e qual a capacidade que as crianças têm em se maravilhar com tudo.

Três da tarde, ainda na cama, entre pernas e lençóis, dispondo interrogações sobre as sombras. Tentando reparar no quanto a gente vive delas. Se é que a gente vive delas. Espaços sem luz. Tem muito reflexo também. Ela disse cuidadosa, no enredo sutil de quem cata a bucha de papel no lixo. Palavras soltas no universo.

Só vira sombra quando a gente não se identifica. Toda essa porra sem sentido que nos faz dar nomes às coisas. Institucionalizar sentimentos.Transformar paixão em namoro. Amor em casamento. A vontade do porvir em noivado. Sexo não. Sexo pode – ela foi ebulindo o assunto - A qualquer hora, com qualquer um. Desde que ninguém fique sabendo, naturalmente. Quatro paredes e dois bichos. Sexo é assim. Violência intelectual. Sexo é na cabeça. Mas não cabe em lugar nenhum.