8.3.05

De tudo, o pouco

Tinha um pouco de carinho. Algum tesão. Talvez amizade. Mas, sobretudo, carência. Este medo horrível de ficar sozinho. De não ter com quem dividir a própria mediocridade. Contar sobre os dias vazios. Defenestrar os demônios. E ter alguém por perto. Alguém pra não te perguntar nada. Ficar sem esperar nada. Ir embora sem grandes expectativas. E, quem sabe, voltar.
Eles eram assim: vazios paralelos ecoando pelo apartamento naquele meio dia de chuva.

Namoravam pelo mesmo motivo que as pessoas entram no orkut, criam blogs, aderem à alimentação macrobiótica, ficam três horas por dia na acadêmia...Um misto de prazer imediato com vácuo pessoal.

Faziam tudo que os casais fazem. De quinze em quinze dias, jantavam com algum amigo de infância dele. Almoçavam com a mãe dela no domingo. Crueldade com o domingo, dia santo de fazer nada. Mas iam, religiosamente. Da última vez, tiveram uma discussão terrível. A mãe havia jogado fora todas as calcinhas velhas da filha. O confronto evoluiu, violentamente, para o debate de direitos e deveres. Lágrimas. Sua-injusta-sua-doida-sua-frustrada! Uma baixaria. Pro genro, sobraram as compotas. A história terminou com a namoradinha dele, aquela moça pacata, fazendo ameaças do tipo "Pode deixar. Eu vou juntar todas as tuas calcinhas e atirar no lixo. Junto com o resto da comida!" Ui.Ui.Ui. Ele respirou e reformulou a idéia de dar tapinhas nas costas da sogra.

- Putaquiupariu! Preciso ligar pro trabalho! Ela alçou a voz sem sair do lugar. Ele continuou olhando pro teto, pensando na ex-namorada. Vera. Se Ana fosse Vera, estaria a mil. Nariz inquieto e plutônio no café da manhã. Mas Ana era Ana. E isso era o máximo que ele compreendia. Canhota. Cabelo castanho. Sardas e olheiras. Gostava de vestir preto. Café sem açucar. E algumas coisas um tanto quanto excêntricas, como acordar toda quarta-feira durante a madrugada especialmente para comer banana com mostarda ou só dar conta de fazer xixi com o pé esquerdo em cima do tapetinho.

Eram intimamente distantes. E inertes na arte de se conhecerem melhor. Aliás, quanto menos, melhor - considerava ele.

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