2.5.05

Sobre as metas patetas que nunca chegarão a ser

Senti os olhos dela fincando-me as costas quando me despedi. Havia gritos em meus ouvidos. E uma dor na garganta por terminar daquele jeito. Duvidei do meu passo. Pensei em voltar. Éramos tão e tanto. Éramos melhores. Intocáveis, até. Enquanto discutíamos marxismo, lirismo, budismo entre uma solução e outra para a garantia da sustentabilidade do planeta. Psico isto e aquilo. Bio, filo, sócio, epistemo, geo, cali; qualquer logia ou grafia. E tinha tanto tesão! Tanta língua sem nojo. Tanto gosto de seio e pescoço.

Ela disse que eu voltaria, que não conseguiria sempre fugir. Me desejou alguma coisa boa. Que eu não me perdesse de mim, fosse feliz, algo assim. Mas tinha um rancor. Uma mágoa que deixamos secar, apodrecer feito a comida esquecida fora da geladeira quando passávamos muitos dois, três dias numa depressão paralela. Silêncio absoluto. Nenhum estímulo. Nada. Ela tinha a alma descoberta. Olhos infantis. E os pulsos marcados desde um abril infernal. Seu sorriso superficial não escondia o esforço cotidiano para mover os lábios.

Quanto a mim, sempre soube que seria assim. Sustentamos durante muito tempo a miséria um do outro. Uma coisa que chamávamos amor. Mas era medo. É incrível como o medo nos toma, nos têm. Bom dia. Eu te amo. Eu também. Não sei viver longe de ti. Uma caneca de café. Cinzeiro cheio. Meia dúzia de trepadas por semana. E oito horas trancados num escritório fodido pra poder pagar aquela poltrona indiana que nos fazia dentro do esquema. Tanta necessidade inventada. Todo dia um querer novo. Uma angústia que nunca satisfaz. Uma secura de bem, do que é bom.

Eu devia ter feito tantas escolhas diferentes das que fiz. Eu queria parar aqui mesmo, no meio desta rua e deitar encolhido. Ou fugir pra um quarto escuro. É tão difícil pensar em seguir sozinho. Freqüentar outros lugares. Enfrentar natais e reveillons. Relembrar os anos velhos. Não sei pra onde ir. Não quero ouvir ninguém dizer que vai passar. É tão minha essa dor. A dor de te pensar. Tuas olheiras fundas e teu cabelo vermelho quase da mesma cor dos teus pulsos naquela noite abril. Sabor de vinho e virilha. Mentex. Cheiro de sexo. Meu pau ficando duro nesse frio de solidão. Eu me despeço. Eu peço que me deixe. E não finjo nenhuma compaixão. Eu quero que te foda sozinha e ninguém mais o faça por ti.

Mentira. Te desejo também um outro caminho. Um outro tempo. Desejo que comeces tudo de novo. Além e aquém de mim. Hoje, caminhando entre rostos desconhecidos, adoraria nunca ter te encontrado. Eu nunca teria saído do supermercado querendo te ver de novo. Nunca teria te perguntado se tomate seco combinava com atum. E tu nunca terias me dado a resposta maldita que me fez apaixonar: “A combinação é mais possibilidade que fato”, assim mesmo, filosófica e faceirinha na noite de quinta-feira. Naquele tempo tu ainda tinhas um riso fácil e ombros balançantes e – como sempre – deixava as coisas caírem no chão. Impressionante como as coisas escapulem de tuas mãos! Naquela noite, eu me desfiz. Fui pra casa, telefonei pra desmarcar o jantar e comi aquela possibilidade sozinho. A cada garfada eu lembrava de ti. Deus, como desejo ter ido a outro supermercado ou ligado pro Giraffas! Ter feito compras num outro mundo que não o teu! Assim fosse eu não teria te reconhecido mais tarde na Funarte. Teria prestado atenção no teatro e não nas tuas pernas bambas, no teu corpo livre, na tua beleza completa, acordada. Essa tua beleza que me fez dormir por tanto tempo.

Talvez eu desperte na próxima esquina e não tenha tanta necessidade de pensar em ti e nem de te esquecer. Mas durante este enquanto, tu vens acima - pesando no fardo de um arrependimento.

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