Confuso
Eu havia combinado com Andréa que iria até sua casa. Mas liguei para Renata, decidido a encontrá-la. Eu estava confuso. Andréa era ótima companheira, linda, cheia de qualidades, mas, agora, tudo o que eu conseguia lembrar é da determinação que ela tinha em subir ao altar. Antes dela eu tinha uma namorada que trabalhava num circo. Anita era malabarista e cuspia fogo pela boca. Tinha fixação por aquilo. Não havia local apropriado: na saída do restaurante, no meio da exposição e até num jantar na casa dos meus pais, lá estava ela, feito um dragão, expelindo e engolindo labaredas.
No início era excitante, o espetáculo de Anita sempre antecedia nosso sexo. Ela se contorcia feito solas de borracha e queimávamos de tesão, os dois. Mas um dia, numa viagem de fim-de-semana, Anita incendiou o quarto da pousada e comecei achar aquilo perigoso demais. Fiquei paranóico. Tranquei num armário todos os líquidos inflamáveis da casa, instalei extintores na sala e na cozinha e passei a dormir com baldes d’água ao lado da cama. No celular, o primeiro número da agenda era o do Corpo de Bombeiros. Anita ficou magoada e, por fim, nossa chama se apagou.
No período de transição, entre Anita e Andréa, conheci Candy Bree. Tem que dizer assim mesmo, com nome e sobrenome, por uma exigência dela. Candy Bree era modelo e queria ficar famosa. Nos conhecemos num desfile de moda. Ela apresentaria as roupas de um velho amigo meu, Giorgi & Giorgio (este pessoal da cena fashion tem mania de nome e sobrenome).
Giorgi & Giorgio foi meu colega na faculdade. Eu estudava desenho industrial e ele design, mas cursou uma disciplina do meu curso “por que queria uma inspiração extravagante”. O fato é que Giorgi & Giorgio despontava como vanguardista em novas formas de se vestir na época em que conheci Candy Bree. Topei com ela no corredor. Estava nervosa.
- É este sapato altíssimo com asas de avião. Tenho medo de me estatelar no chão e fazer papel de ridícula.
- Ora, isso não vai acontecer. Se você cair, eu subo na passarela com um cartaz de protesto ao caos aéreo e você ficará conhecida como uma manequim politizada. Imagine a manchete: “Modelo ativista insurgir-se contra Governo”. Vai ser um sucesso!
Eu era assim, um tanto cínico, mas pelo menos Candy Bree se acalmou. Perguntou o que eu fazia ali, nos bastidores, se conhecia “alguém importante”. Ficou fascinada quando eu disse que era scouter, à procura de new faces. Eu era um canalha. Depois do evento, passamos na casa dela pra buscar seu book fotográfico e seguimos pro motel.
Antes de transarmos, Candy Bree me contou que já havia participado de vários comerciais de televisão. “Nunca me dão o papel principal, você acredita? É um mundo muito competitivo. Quando aparece uma carinha nova, como a minha, as tops mais antigas te sabotam, te fazem sentir menor, sabe?”
Começou a chorar. Eu abri o livro de fotografias dela e disse coisas do tipo “Veja! Quanta expressão!”, “Nossa! Você tem uma mistura exótica!”, “Deixe-me adivinhar: é filha de índios e libaneses?”. Na verdade, Candy Bree era filha de pernambucano com gaúcha, o que, de fato, havia resultado numa mistura muito bonita. Tirei a roupa dela com a boca, lentamente. Tinha as coxas magras, mas muito firmes. E uma manchinha logo abaixo do seio que me deixou fascinado. Fiquei horas passando a língua ali. “Não sai não. É de nascença”, ela me disse. Eu ri.
Depois daquela noite, Candy Bree passou a me telefonar todos os dias. Contou que tinha um namorado, que nosso encontro foi muito bom pra ela, mas que não podia mais ter “aquele tipo de contato” comigo, por que Carl Juny "era um cara legal, mas muito ciumento e um pouco violento”. Sim, Carl Juny era modelo também. Candy Bree me contava que as coisas andavam difíceis, estavam os dois sem emprego fixo e Carl Juny já sabia da noite que tivemos juntos, mas ele era tão bacana que havia nos perdoado. “Então, será que você podia arranjar algum trabalho pra nós dois?”
Finalmente confessei a Candy Bree que eu não era olheiro de rostinhos coisa nenhuma, mas sim um excelente e respeitado projetista numa fábrica de eletrodomésticos, pedi que ela me desculpasse, pois eu havia mentido por paixão súbita, o que é um motivo nobre, e que conversaria com Giorgi & Giorgio sobre o caso dos dois. Acho que deu certo, pois duas semanas depois eu e Andréa estávamos na cama assistindo novela quando, no intervalo, aparece Candy Bree e um cara alto e forte, que supus ser Carl Juny, estrelando um comercial de xampu anti-caspa.
Andréa era professora universitária e queria casar. Em três semanas de namoro eu já conhecia toda a família dela, da avó aos primos de terceiro grau. Todos faziam votos, com exceção de Toscana, o cachorro. O pai queria saber minha opinião sobre aplicação de investimentos. A irmã mais nova bordava toalhas com meu nome. A mãe me recebia com iguarias italianas. Era uma gente esquisita, mas agradável.
Com o tempo, ganhei cadeira cativa na cabeceira da mesa de jantar e as conversas passaram a girar em torno de um só tema: o noivado. Na minha casa, Andréa havia instalado um armário só para ela e mudado os móveis de lugar. Um dia, abri a porta e tive a impressão de estar no apartamento errado. Andréa tinha pintado as paredes. “É cor de abóbora, amor. Cê não gostou? Comecei a ficar apreensivo.
Dizem que o homem inerte não sente as amarras que lhe prendem. Comecei a me movimentar. Já não jantava duas vezes por semana na casa de Andréa e alimentei um ódio irremediável por Toscana. Fiz dele meu pára-raio. O maldito cachorro que comia meus sapatos estava com a família há 12 anos. Mas não importava, travei embate, era ele ou eu.
Inventei uma gripe viral e fiquei quase duas semanas sem aparecer. Andréa desesperou-se com meu comportamento. Ficou muito triste, chorou ao telefone, disse que os pais estavam dispostos a se desfazer do vira-lata e que sentiam minha falta. Aquilo me deixou tão culpado que combinei com Andréa que iria até sua casa naquela noite. Mas não sei o que me deu. Ao invés disso, telefonei para Renata, decidido a encontrá-la. Eu não sabia o que fazer. Eu estava confuso. E Renata era psicóloga.
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