carvalho e eu
era noite de terça-feira. carvalho chegou mais póia que nunca. com uma mão, largou a pasta sobre a mesa. com a outra, desabotoou a camisa. deu-me um beijo cansado na boca, lascou-me uma lambida seca na nuca. reclamou, azafamado, sobre o peso da rotina: as contas, a crise, as divisas...
depois, deixou-se encharcar pela brisa e assoviou baixinho - uma música de antes. nosso tempo de outrora. em seguida, descalçou os sapatos, caminhou pela casa, apagou as luzes, cerrou as cortinas e acordou a vitrola.
pondo à prova a canseira, carvalho me levou à cama nos braços. teceu os dedos entre meus cabelos e, delineando meus traços, suspirou ameno, com candura. sentados na cabeceira, cercados de escuridão, senti as palmas de carvalho resvalarem, furtivamente, entre meus seios e correrem, vagarosamente, até minhas mãos.
sem ligar para outras fomes e os pratos, dispostos sobre à mesa, nos despimos, com força e delicadeza. ah! eu, das costas fatigadas de carvalho, faço meu recreio. passeio por cada entremeio da sua finita vastidão. e, com os olhos semi-cerrados, sem pressa nenhuma de nada, nos amamos com calor - quentura das chuvas de verão.
ficamos horas assim, eu e carvalho, segredando-nos, em silêncios e gemidos, as asperezas desta vida. em febre e frio, madrugadas inteiras, anos a fio, carvalho me antecipa a leveza essencial para enfrentar os dias que virão.
em carne e espírito, nós dois, vencemos os danos.
um no corpo do outro, carvalho e eu, guardados do mundo.
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