23.3.13

Mudo, logo existo


Eu ia escrever sobre o amor. Tenho pensando muito nesse assunto. Enquanto durmo ou como, no caminho de casa para o trabalho, na direção inversa, no trajeto do ônibus com a cabeça encostada no vidro, a cada hora, de bicicleta, tomando banho, nos momentos mais esquisitos, o amor se instala.

Mas aconteceu de vozes alteradas burlarem a vidraça e entrarem nos meus ouvidos, mudando o rumo da prosa. O casal do apartamento ao lado discute a possibilidade de pôr fim ao relacionamento. Ele diz que vai embora amanhã. Ela não quer. Ele também não. Ele brada, ela retruca. Portas se batem. Alguém chora alto.

Sempre fico tensa com discussões amorosas. Dedos em riste apontam a incapacidade que temos de nos perceber humanos, míseros. Esta tendência rasa de enxergar o outro como um ser acabado e encerrado. Você mudou, acusa o homem. Quem mudou foi você, rebate a mulher.

A mudança, acredito, é inerente a toda gente. A tudo. Acontece que se o outro tem um comportamento diferente do que estamos acostumados, perdemos toda a nossa segurança - convicções e garantias arduamente coletadas por amostragem cotidiana.

Como assim você não cabe mais na gaveta que eu fiz pra você? Onde vou colar estas etiquetas? Anda! Entra aí de novo! A imagem que me vem, ao escutar meus vizinhos, é a de um fórceps às avessas. Alguém socando alguma coisa até que ela tome a forma do seu olhar quadrado.

Crer que conhecemos alguém estanque é supor que o mundo é inerte. A verdade é subjetiva - e os que não concordam com isso reforçam essa ideia. A única forma de conhecermos o outro é distanciar-se de si mesmo e enxergá-lo como se não existíssemos, o que considero impossível.

Outra alternativa, bem mais espinhosa, é revolucionar nossas expectativas e transcender para a empatia. Ou seja: simplesmente se colocar no lugar do outro! Sabe, não quero tomar parte em algo que nem me diz respeito. Na verdade, gostaria de ter sido poupada desta lavação de lençóis dos vizinhos, mas penso que os dois devem ter mudado muito. Pelo menos, assim espero.


                                                                              imagem: boligán 

5 comentarios:

Rogério Tomaz Jr. dijo...

e o vazio que fica quando ele vai embora??

"O amor é quando a gente mora um no outro" (Mario Quintana)

abreijo!

Fer Poletto dijo...

boto fé! não carrego mais essa caixa quadrada e pesada nas costas... nem eu entro nela!

Beto Garavello dijo...

Quando não nos vemos mais nos outros, temos (ao menos) duas alternativas: chorar a quebra do espelho ou festejar o novo encontro. Eu prefiro a festa!!!

Mariana dijo...
Este comentario ha sido eliminado por el autor.
Mariana dijo...

Difícil é abandonar as expectativas. Mas há de ser um exercício, que leva a tolerar melhor as mudanças, ainda que caminhem para um fim. E sem tanta expectativa o fim passa a ficar no campo do possível. Só que dói.