3.8.09

Meu carro é uma bike

Depois de uma vida inteira usando ônibus, bicicleta e as próprias pernas para me transportar de um lugar para o outro, no início deste ano, resolvi comprar um carro. O objetivo central dessa aquisição era perder o medo de conduzir sobre as quatro rodas e ganhar desenvoltura no trânsito. Foi bom, não me arrependo. Era um período de mudança de lar e o automóvel me ajudou a resolver questões logísticas e burocráticas com mais rapidez e certo conforto.

Mas a zona de conforto é sempre um passo para a acomodação: quando dei por mim, já prescindia do carro para os deslocamentos mais cotidianos como ir ao trabalho ou ao supermercado. Aos poucos, fui me sentindo enfadada. Pela manhã, pulava de casa para o carro e do carro para o prédio onde trabalho. De lá, saia às vezes para almoçar ou só altas horas da noite...

Esgotada, caminhava até o estacionamento, pegava o carro e voltava para casa. No dia seguinte, a rotina se repetia. Eu tinha certeza de que algo acontecia no mundo lá fora enquanto eu ficava limitada ao carro e enclausurada em prédios. Mas o mais inquiteante era ter que encarar o engarrafamento. Eu até desconfiava, mas pude ver com os próprios olhos e ter certeza: o trânsito desperta o que há de pior nas pessoas.

Há um crônica do Luís Fernando Veríssimo na qual ele diz que o único momento de trégua no trânsito é quando um motorista alerta ao outro que a porta do carro está aberta. É uma espécie de código universal. Se o condutor cair do carro, o outro lamenta e passa por cima - mas que avisou, avisou. E é a pura verdade. Quando bate as seis da tarde e todos têm urgência de voltar para casa, ir para a aula ou outro compromisso qualquer, não existem gentilezas: homens e mulheres disputam metro a metro um lugar à frente nas vias.

Aos poucos, essa lógica foi me incomodando e eu fui ficando triste. Triste de verdade. Me sentia uma idiota completa ao demorar quase meia hora para avançar cinco quilômetros. Um trajeto que eu percorreria em menos tempo se estivesse a pé. E com muito mais prazer e liberdade de direcionar minha atenção para além de ultrapssagens e mudanças de cor do semáforo.

As cores dos céus de Brasília são infinitamente mais atraentes e os pedestres são bem mais gentis. E foram estes detalhes, entre outros, que me fizeram voltar ao normal. Hoje, o carro é uma exceção. Uso especialmente para o lazer, aos finais de semana - já que sábado e domingo o transporte público da capital federal é inviável. Também há os dias em que tenho que resolver alguma coisa no horário de almoço ou logo após a labuta. No mais, vou de bike - cê sabe, tava morrendo de saudade =)

Andando de bicicleta a vida fica beeeemmm melhor. Pelo menos capto um pouquinho do que acontece nas ruas. Dou bom-dia aos transeuntes, vejo o detalhe de uma flor de relance, ouço fragmentos de conversas quando passo pelos pontos de ônibus. De carro, eu gasto tempo para chegar ao trabalho - é um estorvo. De bicicleta, eu levo o tempo - é uma alegria, uma atividade lúdica e deliciosamente suada que eu, sinceramente, recomendo a todos.

3 comentarios:

Nei Simas dijo...

Sou arquiteto e trabalho com transporte em Brasília.
Procuro usar o carro só quando tenho pressa ou vou para lugares mais distates, onde não há transporte público decente. O DF tem o pior sistema de transporte do Brasil, é uma verdadeira vergonha.
Ser pedestre é o que mais gosto, vou conhecendo os caminhos, as árvores, em algumas épocas colhendo amoras e mangas, vendo as pessoas.
Quem anda só de carro nem sabe o que existe na cidade.

Franco Benites dijo...

acabei de quitar meu carro, um fiat semi-novo. queria trocar por outro, mas estou tão sem paciência pra carro. então, fiz um pacto comigo mesmo: vou tentar andar mais de ônibus, já que moro perto do trabalho. num esforço maior, dá para voltar a pé. ir, nunca. o calor que faz aqui no recife é proibitivo. também não dá pra ir de bicicleta, mas ficar livre do carro alguns dias já vem me fazendo feliz.

Porque todo mundo tem uma crise para espantar!!! dijo...

Pôxa, Fer! Que legal! Isso me inspira muito! mas o fato é que tenho medo, muito medo de nadar de bicicleta em Brasília e olha que adoro a minha. Na minha primeira e única tentativa de vir trabalhar de bicicleta, quase fui atropelada!

Nesse caso, a minha trégua do carro é justo nos finais de semana, quando tiro a poeira da bici e curto o céu (antes mais azul).