1.3.13

coragem



tinha as mãos escalavradas
de tanto arar chão ao futuro.
a pele carquilhada do rosto
predizia malogradas quimeras.
aparentava mais de 100 anos!
trazia os pés carcomidos,
três netos descalços, maletas
e sacolas surradas a tiracolo.

os olhos opacos esperavam
um ônibus que não chegava nunca.
iam não sei pra onde,
tampouco viver do quê.
mas iam tão unidos
que se diria que tinham um pacto.
um juramento de sangue.

o mais novo subia no banco improvisado,
puxava o vestido florido da mulher,
gritava qualquer coisa e descia.
havia pó para todos os lados...
ela, enternecida, sorria banguela
para o moleque traquinas.
e eu sentia remorso por ter dentes.

fazia seca naquele sertão de mim.
e todo meu corpo doía de ver
aquele outro corpo cansado,
aquele tronco truncado,
aquela fome vencida
pelo vigor da esperança
que o meu humano desconhecia.

minhas crenças,
minha natureza,
minha compaixão tardia...
quanta conivência pode haver na inocência?
eu me perguntava naquela tarde
de sol e terra rachada
que ainda hoje arde nos meus dias.
uma tarde de vento nulo
que a tudo desvanecia.

meu deus, de alguma forma,
aquela mulher chovia.

3 comentarios:

Eduardo Baró dijo...

Fer, gostei muito

nei dijo...

Belíssimo!!!

Fabi dijo...

Poesia fantástica, e esse final é perfeito. Adorei