5.3.11

no corpo errado


em cuba, tive a oportunidade de assistir ao documentário "en el cuerpo equivocado" numa sessão que contou com a participação de marilyn solaya, a diretora do filme. com rigor e sensibilidade, a película conta a história de mabi sues, um transexual cubano que mudou de sexo em 1988 - com apoio e financiamento do regime de fidel castro - que inclusive enviou flores para mabi, enquanto ela ainda estava no hospital, no período pós-operatório.

ao longo de 52 minutos, o que vemos é uma mulher de 50 anos contando sobre os significados que a mudança de sexo trouxe à sua vida. essas recordações vão desde a infância até a fase adulta e são carregadas de histórias de intolerância, tentativas de suicídio e, também, de amor. mabi casou-se em 1991 e levou sua vida adiante.

o cotidiano dela, no entanto, foi o que mais me intrigou. em grande parte do filme ela aparece passando roupas ou limpando a casa de uma maneira quase compulsiva. o paradoxo aqui é que mabi enfrentou milhares de preconceitos para mudar de sexo mas acabou caindo na armadilha da amélia-mulher-de-verdade, que busca encaixar-se no padrão da família tradicional. ou seja, mabi não apenas estava no corpo equivocado como também caiu no enredo da vida equivocada.

"mabi não resolveu isso como milhares de outras mulheres não resolveram. o que eu posso dizer é que depois de ver-se no filme mabi resolveu investir em algumas mudanças de comportamento que não vêm ao caso", ressaltou a diretora do filme em bate-papo após a exibição. de acordo com marilyn, o documentário foi rodado em 18 dias, mas o tempo de pesquisa atingiu quase uma década. "foram oito anos de contato com mabi. foi ela quem me procurou querendo contar sua história".

a intenção das duas mulheres é abrir espaço para debater e refletir sobre o tema da transexualidade e, com isso, contribuir para minimizar o preconceito e a desinformação. "no caso de mabi, por exemplo, muita gente que antes não falava com ela passou a vê-la de uma outra maneira após o filme", ressalta marilyn.

a diretora garante que durante as gravações seu censor ético esteve o tempo todo ligado e eu posso dizer que isso realmente fica claro do início ao fim do filme. "eu não posso simplesmente pensar 'nossa, que história incrível! vou fazer um pão e vender'. o documentário foi uma construção conjunta. mabi é uma pessoa e não um personagem. por outro lado, eu não podia construir uma mentira. buscamos fazer o filme da forma mais verdadeira possível", ressalta.

prêmio e censura
o longa faz parte da segunda edição do doctv américa latina e foi selecionado entre 355 projetos. a televisão pública brasileira exibiu ele no ano passado. na tevê cubana, no entanto, o filme foi censurado e não foi ao ar. de acordo com a diretora, outras tevês públicas dos países que participam do doctv prefiriram simplesmente cortar pedaços do documentário antes de apresentá-lo ao público.


1 comentario:

Léo Tavares dijo...

excelente, Nanda! preciso ir atrás disso! estou num grupo de pesquisa sobre Cultura Visual Queer. Já iniciei uma pesquisa no ano passado sobre os temas queer no cinema e quero muito me aprofundar nisso. Acabo de me matricular em Feminismos e Teoria Queer esse semestre, lá na UnB;
E seu post é muito interessante.
E é muito bom acompanhar sua viagem, ainda que com saudades de vc...
tão linda, Nandoca!
um beijo e um abraço forte
:o)