25.4.05

Dilacerar

A cabeça cheia. O peito comprimido. Nenhum espaço livre. As mãos frívolas.Tudo é ausência no meu apartamento. E, sozinho, me sinto rasgar em pedaços. Eu transaria homens e mulheres hoje. Qualquer coisa pra desfazer da secura. A dura frieza da solidão. Porque a solidão corta. Enche a gente de calafrios. Nos deixa contidos. Nos priva do calor do outro.

Hoje, qualquer vício por um pouco de viço. Por uma brecha de luz. Pra dar um tempo na dor. Pedir licença pro desconhecido e sentar na mesma mesa. Pra parecer acompanhado. Pra fingir que tenho alguém.

Um lugar sem espelhos, onde não haja reflexo de mim. Onde minha escuridão não corrompa o meio. Onde eu possa fingir sanidade. Cumprimente as pessoas. E responda sim, tudo bem, para quem perguntar cordialmente como tenho passado. E eu só tenho passado. Minha vida é pretérito. Eu, preterido.

Coitado, fadado ao sonho, dizem por aí, eu sei. Mas não me estreito. Eu ainda saio do buraco sujo do dia-a-dia com horário de funcionamento. Das cortesias sem apreço. Dos abraços sem calor.

Das paredes descascadas do meu apartamento. Dos talões e cartões. Do crédito. Do débito. Das contas. E tantas outras correntes.

Um dia ele vem pra mim. De barba por fazer e uma garrafa de champanhe nos braços. Um livro de bolso e histórias quentes na garganta. Ele vem pra me falar do amor. E é só por ele que eu tolero os golpes. Coagulo o corpo talhado de solidão.

Por hoje, me bastam outros. Líquido de fêmea ou macho. Tanto faz. Luzes. Estímulos. Lubricidade, calor e outras conveniências.

22.4.05

Ondes?

Aterrisando no avião maluco
de ruas uniformes e incoerentes
há céu aberto e portões cadeados
Ipês e folhas bailarinas em redemoinhos de poeira vermelha
anunciam despedida
dançam a tua dança
Basilar, Brasília
Tua beleza me excita novos horizontes
Experimento outras esferas

Daqui
pra
ondes?

20.4.05

Do meu amor

E quando algo nos ofuscar a percepção....
Quero
ter
estrelas
no
bolso.
gOrJeTa

Em Brasília 19 horas
Em Tóquio a bolsa sucumbe
A informação procria,
duplica,
triplica,
não cessa...
.
O relógio
da parede
matraca
no pulso
pulsa
tic-taca
tenha pressa, tenha pressa...
.
O dinheiro não dorme
Compra sonhos de noites insones
Desorbitada

Quente. Batuque e dança cantada. O coração apertado. Ânsia impetuosa pelo todo o não sei que virá. Ela caminha como se não estivesse lá nem em outro lugar. A mente suspensa e só. O que você disse? Ela finge interesse na conversa do moreno de camiseta amarela. Um gato. Um babaca. Ele. Ele. Ele. O outro, não aquele. Ela faz força pra prestar atenção no seu próprio movimento. Levanta os braços de olhos bem fechados. Pendula entre o passado e o futuro.

E estaciona sob um certo número de lembranças. Do tempo em que era dois. Mas ela não fica em casa não. Ela vai à forra. Mulher moderna. Mulher apenas. Fica revendo as cenas. O cabelo suado dele brincando no seu rosto. O olho no olho. O uísque nacional de agora. Nacional, somente produtos nacionais, ela aprendeu com ele. O moço da camiseta amarela estreita a cintura dela. Ela é lapso. Sem opção precisa, lança sorriso.

Ri por ternura, para alegrar o moço inócuo. Tão puro ainda, ela pensa. Tão inofensivo. E nem sabe que é. Vai ver nunca sentiu dor. A dor que ela sentia. Por que ela, meio por erudição, meio por empirismo, já sabia que tem coisas na vida que a gente vai deixando de ser. Vai deixando. E quando vê, já era. Calor infernal nesta boate, ela disse. Ele avançou pro beijo. Ela hesitou. Retrocedeu.

E renunciou ao carinho do moço tão gato e babaca e inocente de camiseta amarela. Não eram os beijos. Não eram aquelas luzes. A música. Não era nada daquilo. Nem mesmo a amargura surda que ela desvendava no ventre enquanto imitava bailarina desorbitada. Ela queria um tempo que já passou. Um tempo em que era amada. O cara de amarelo insistiu. Ela sorriu largo. Sorriu e riu. Gargalhou. Guti-uísque-nacional. E prendeu o rosto dele entre suas mãos. Mais tarde, entre suas pernas.

12.4.05

Canto

Passeio em mim nestas noites de seca poesia
E perco o sono
Melancólica e malcriada
Dolorida
Cheia de
Cheia da
Vida
Perambulo pela poeira dos sensos mal resolvidos
Solto vapor pela sala
Atrás de uma taça de vinho
E, inebriada,
tropeço na mágoa
Que havia deixado num canto
As gurias de quinze

Saiu de casa como se ensaiasse um encontro casual
Esparramada em sorrisos
O nariz guiava a direção
Os ombros tão soltos, soavam independentes ao corpo
.
Com meu olho, tateei palmo a palmo daquele mistério
Quis ser alvo
Mas tão mísero, obsoleto e já calvo,
Virei pro lado, levei as mãos aos bolsos
e a mantive desejo
na ponta dos dedos

11.4.05

Bar

Eu teria dito que largaria tudo, que mal me importavam aquelas pessoas todas conversando amenidades em volta da gente. Teria levantado e te olhado estridente enquanto todas as outras bocas calavam. Devia ter aproveitado o momento de singelo sigilo, quando até o tilintar dos copos guardaram silêncio pra te receber. Eu deveria ter ido até tua mesa onde sentado e largado sorria aquele riso suave de quem já bebeu doses pares. Aquele riso largo, de boca escancarada, libertador de vontades dissimuladas. Teus dentes no meu peito, eu ficava imaginando, enquanto te olhava pateta, a dois metrôs de ti. Devia ter me atirado no teu colo logo quando tu chegaste. Ter te feito entender que eras meu. Mas eu já sabia. Sabia que a gente se amaria loucamente, que seríamos líquido noites inteiras. E sempre acordaríamos secos um do outro. Sempre querendo mais. Sabia de ti na minha cama. Das minhas roupas no teu armário. Dos meus cds junto com os teus. Dos livros que ninguém mais saberia de quem eram. Sabia que tu terias ciúmes do meu ex namorado. Que perguntaria se ele me amava tão bem quanto tu. Sabia que brigaríamos, te taxaria machista, insensível. Sabia que iria embora e levaria alguns cds meus ou teus. Sabia que voltaria. E iria e voltaria muitas vezes. Púrpuras vozes me anunciavam a noite que eu te ligaria dizendo que não, iria me atrasar, não poderia te acompanhar naquele jantar mais tarde na casa do teu amigo enfadonho de longa data, te perguntaria tudo bem? e te pouparia do enfadonho - por este cinismo que a gente adquire de tentar sempre economizar o outro dos nossos pensamentos mais limpos. Eu já fazia idéia que tu dirias que sim, estava tudo certo, cansado e aborrecido, como se tudo o que esperasse de mim fosse a decepção. Como se eu te prorrogasse a vida. Antevia o momento demasiado em que passado e futuro se tornariam carregados demais e esqueceríamos, eu e tu, de gozar o presente. Nos tornaríamos esquivos e evasivos como toda a gente. E estabeleceriamos a defesa. Já atinava minha insegurança pelo teu poder de fazer interesse nos outros. Teu amor inseduzível. E eu sofreria tanto. Choraria no teu peito. E seria menina de novo no parque contigo. Previa os prazeres. As delícias a dois. Sabia exatamente o que haveria de vir.

Dois metros ou cinco segundos de ti. Distante uma palavra do nosso futuro amor. Segunda-feira, a gente ali no bar. Achei melhor não. Longe de tudo, pedi mais uma sem gelo. E fiquei lendo teus lábios, enquanto percorria meus medos.