29.10.11

em pleno verão




quando finalmente voltei ao apartamento de sofia, exatamente um ano e dois meses após nos separarmos, percebi que algo havia mudado. e mudado muito. quando abriu a porta, dentro de um vestido verde, o colo delicadamente exposto, sofia estava mais linda do que nunca.

entrei, ela me abraçou demorado, ofereceu chá de hortelã gelado e foi prepará-lo enquanto eu vasculhava a biblioteca da sala atrás de livros remanescentes. sofia trouxe o chá e um pratinho com pães de mel.

fazia um calor de virar manchete nos jornais. perguntei se ela havia cortado os cabelos. a resposta foi um "não" meio enfadado. me senti sem graça pela falta de tato com a situação. é bem estranho não saber o que dizer a uma pessoa com quem se viveu junto por tanto tempo. mas o fato é que o tempo passa e naquela tarde abafada eu realmente me sentia longe demais de sofia.

delicada como sempre, ela percebeu meu constrangimento e quis ser amável. puxou assunto e de repente nos vi conversando amenamente sobre previsões do tempo, mudanças climáticas e aquecimento global, como dois velhos desconhecidos, entre aquelas paredes que haviam sido nossas um dia.

fui tomado por uma sensação tão incógnita que quis inventar uma desculpa e sair dali o mais rápido possível. mas me contive. afinal, tínhamos assuntos importantes (como a assinatura do divórcio ou quem fica com a coleção de almanaques dos anos 70) para resolver.

- teu advogado me ligou - eu disse.
- sinceramente eduardo, me desculpe. não me leve a mal. não há nada de pessoal nesta impessoalidade toda. contratei um advogado apenas porque que eu realmente não sei lidar com o universo burocrático, você sabe. tanta papelada, tanta palavra de mau gosto. resolvi terceirizar o serviço, só isso. 
- tudo bem. ele é até tolerável.
- bom, vejo que vocês estão se dando bem. espero que continuem assim - ela disse, sorrindo.

sorrindo de verdade. depois de tudo que aconteceu, finalmente, sofia parecia feliz. me apontou a caneca com chá - sobre a mesinha que compramos juntos no brique da redenção - e, então, dentro do estonteante vestido verde, sofia caminhou até o toca-discos, que dei de presente a ela no nosso terceiro aniversário de namoro. 

em meio aos chiados da agulha antiga, um calor de rachar lá fora, eu sentado na minha poltrona preferida, ela jogada do divã laranja, sem dizermos mais nenhuma palavra sequer, ouvimos elis 1970, o álbum preferido de nós dois.

3 comentarios:

Cinthya Verri dijo...

Cena que só com coragem se vive por dentro.

Fer Poletto dijo...

quando acabou a música sofia disse:
-gostou do meu vestido? troquei ontem pelo seu chápeu de Honduras num brecho comunitário novo aqui na rua.

Anónimo dijo...

e aquele neruda que vc nunca leu?
eu escapei dessa, ela ficou com a casa e tudo dentro, eu fiquei com a rua e tudo fora...mas que a canção de chico sobre a separação de tom jobim me ajudou, ah, isso é verdade...
abraço
zeca