10.8.09

Diplomacia pelas janelas

Dele, só sei que gosta de pizza, de receber amigos e que é insone. Tinha uma namorada, mas acho que é coisa do passado. Atualmente, fica acordado até altas horas, geralmente acompanhado apenas pela luminosidade de uma tela, que só pode ser o monitor do computador.

Quanto à televisão, tenho certeza de que fica num outro cômodo - no quarto, imagino. Nunca trocamos uma palavra e eu não o reconheceria se a gente dividisse a mesma calçada ou se encontrasse na fila padaria. Mesmo assim, eu e o vizinho do prédio da frente selamos acordos silenciosos. Temos até certa intimidade, eu diria.

Da primeira vez que me dei conta de estar sendo observada desde o outro lado da rua, gelei. Era uma noite de sábado e eu molhava minhas plantas, completamente à vontade e sem roupa nenhuma - meu traje preferido de andar em casa. Com o jarro de água nas mãos, vi aqueles dois homens amparados na ampla janela, bebendo cerveja, as vistas fincadas no meu universo particular.

Quis me vestir, fechar a persiana, cavar um buraco no chão da sala, virar fumaça, desaparecer. Mas em vez disso, tentei vencer a timidez e agir com naturalidade. Respirei fundo e prossegui minha atividade, salvando as flores e os temperos do clima seco de Brasília.

Após alguns episódios como esse, meu nu virou tão trivial que nunca mais ele e seus convidados pararam o que estavam fazendo para ficar espiando a vizinha peladona do quarto andar. Eu também já me acostumei a vê-lo andando pra lá e pra cá apenas de cuecas ou só com aquela toalha alaranjada enrolada na cintura.

É o que eu chamo de triunfo diplomático da boa vizinhança: nem ele analisa meus peitos nem eu reparo na marquinha descascada de sunga dele.

2 comentarios:

nei dijo...

Uma das melhores coisas da vida é chegar em casa à noite, com cansaço e tirar sapatos e roupas e passar a noite ou os fins de semana em casa vestindo só umas velhas havaianas.
Meu ap é indevassável, a parte da frente e a de trás são tapadas por belas arvores.
Só dois casais de joões de barro podem me ver pelado, nos dias de folga.
De vez em quando chegam na minha janela bem-te-vis e corujinhas gudunhando o aquário junto da janela, tentando comer peixe fresco.
É ótimo, mas meio monótono, não vejo musas desnudas e não posso ser visto aguando as plantas, lendo, pintando ou madrugando no computador, teclando e skypeando com seis filhos espalhados pelo mundo, Brasil, África, América Central, Oceania e Europa. Sempre tem um conectado...
Desde um segundo andar de uma das 400 Norte.
Minha TV está num quarto especial, só a ligo para ver filmes Kurosawa, Fellini, Buñuel, Herzog, Spike Lee, Antonioni, Kubrick, Coppola e Fassbinder e Bergman e Woody Allen, Glauber, Sergio Leoni, Tarantino, Wells, Scorcese e outros malucos antigos e contemporâneos.
Eventualmente vejo Fórmula 1 ou grandes jogos do Flamengo ou da Seleção.
Eita vidinha calma, só me faltam o mar e um terraço com rede.
O resto vamos levando numa boa, juntando grana para viver em Westpunt....

Franco Benites dijo...

se fosse aqui no recife, diria que era minha vizinha. meu apartamento tb fica de frente, bem de frente, para outro e há alguns acordos tácitos entre mim e os que moram do outro lado. ninguém anda nu. pelo menos que eu tenha visto, mas sei qual a hora em que o casal da frente vai regar as plantas e eles com certeza acertariam, em qq quiz, qual a hora em que trabalho até tarde. laptop numa sala e televisão em outra, tal qual vc contou.