Organizadas no movimento “Mães pela Igualdade”, mulheres de todo o Brasil estão unidas para defender os direitos de seus filhos e de toda a comunidade LGBTT. Conheça um pouco desta história!
Maria Claudia (D) e sua filha Isabella: unidas por um mundo com mais amor |
Filha de nordestinos que se mudaram para o Sudeste, Georgina sabe bem o que é conviver com estigmas e intolerâncias. “Aqui em casa o combate ao preconceito sempre foi uma militância. Por isso, quando o Camilo saiu do armário, aos 13 anos, todos aceitamos numa boa”, garante. Fora do núcleo familiar, contudo, o mundo pode ser mais hostil. “O Camilo cresceu ouvindo piadinhas na escola e tive que ir várias vezes conversar sobre isso com a direção”, conta Georgina.
A experiência da terapeuta cearense Maria Claudia Cabral, 44, é parecida. “De alguma maneira, eu intuía que a minha filha era lésbica. São coisas sutis, algo na maneira de ser dela. Quando ela me contou, não houve surpresa. Ela é uma guerreira, maravilhosa”, destaca Maria Claudia, que desde o primeiro momento abraçou a opção de Isabella, 22. “Me senti convocada a tomar mais providências contra o preconceito, que está por todos os lados. No meu círculo de amigos, virei a chata da mesa e não deixei mais passar nenhuma piadinha sobre gays”, ressalta.
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Infelizmente, as histórias de aceitação familiar são uma exceção à regra. “Meu filho tem vários amigos que foram espancados ou expulsos de casa por serem gays. É realmente muito difícil para algumas famílias, mas precisamos tentar. Quem não tem apoio das mães e dos pais vai sofrer toda a sorte de preconceitos na rua e chegar em casa sem ter com quem compartilhar ou abraçar”, salienta Georgina, que é autora de quatro livros infantojuvenis com a temática da diversidade afetiva e sexual.
Peito aberto, bandeira em punho
Maria Claudia e Georgina fazem parte de um grupo admirável: o de mães que decidiram não apenas acolher a natureza de seus filhos, mas também alçar a voz e levantar bandeiras em defesa de toda a população LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgênero). Ao lado de mulheres de todo o Brasil, elas militam no movimento político suprapartidário Mães pela Igualdade, criado em 2011 com o objetivo de promover ações em nome do respeito à diversidade e igualdade de direitos.
Tudo começou quando o controverso Deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) disse - faz alguns anos - que preferia ter um filho morto em algum acidente do que ter um filho gay. Não deu outra: as mães de LGBTTs ficaram revoltadas e resolveram fazer desta declaração azeda uma boa limonada. Assim, com o apoio da All Out (ONG internacional que atua pelos Direitos Humanos), foi realizada uma campanha para dar visibilidade ao tema.
“Nesta ocasião, nós fizemos uma petição on-line e participamos de uma exposição de fotos ao lado dos nossos filhos. Também havia fotos de mães que perderam seus filhos para a homofobia”, lembra Maria Claudia. A mostra fotográfica foi realizada no Congresso Nacional, em Brasília, e também em praças do Rio de Janeiro. A pauta conquistou projeção internacional e as mães decidiram dar as mãos na criação do movimento. “Estamos causando um rebuliço. Como mães, sabemos que temos um lugar de fala privilegiado e conseguimos romper algumas barreiras que nem o movimento LGBTT consegue, por causa do preconceito”, afirma.
De filha para mãe
A bancária aposentada Leda Ozório, 67, também aderiu ao Mães pela Igualdade. De acordo com ela, a disposição para a luta é um exemplo que recebeu da filha do meio. Em 2011, a designer Katia Ozório, 41, e sua namorada, a jornalista Leticia Perez, 40, entraram para a história por uma conquista inédita: após larga batalha judicial, as duas foram o primeiro casal homossexual a conquistar o direito ao casamento civil no Brasil.
“Minha filha foi persistente, ela foi em frente e eu cresci bastante com ela”, afirma Leda, que condena a hipocrisia da sociedade. “Infelizmente nossa sociedade é hipócrita. Convive com homens espancando esposas, matando ex-companheiras, incendiando namoradas, mas finge não aceitar pessoas do mesmo sexo convivendo com carinho e afeto”, lamenta.
“Eu vejo que para minha mãe foi muito importante entrar em contato com o grupo. Ela sempre aceitou a minha sexualidade e isso facilitou muito a minha vida. Mas vi que ela se emocionou ao ouvir os depoimentos de outras mães, que tiveram inclusive os filhos assasinados por serem gays. Ela sempre teve vontade de militar pela causa e o Mães pela Igualdade abriu esta oportunidade”, avalia Katia.
Leticia (E) e Katia comemorando o casamento (Arquivo pessoal)
Tão perto, tão longe
Juntas desde 2006, Katia e Leticia vão comemorar dois anos de casamento em 2015. “Conseguir casar foi um embate muito desgastante, mas valeu a pena. Estamos felizes, ou seja: não pretendemos lutar pelo divórcio gay”, brincam. Por trás da história de amor e coragem que as duas escrevem juntas, há uma trajetória bem diferente no processo de assumir a orientação sexual.
“Para mim foi tranquilo. Eu tinha 16 anos e meus pais e irmãos lidaram bem. Acredito que isso interfere muito na autoestima e confiança da pessoa”, diz Katia. Para Leticia, no entanto, abrir as portas do armário significou fechar as portas de casa. “Eu deixei uma carta para os meus pais contando e fui viajar no final de semana com a minha namorada na época. Quando voltei, fui expulsa de casa”, relembra.
Filha de médicos, nascida e criada em uma cidade no interior do Rio Grande do Sul, Leticia avalia que teve uma educação rígida. “Fui educada em um ambiente em que tudo o que era diferente não era bom. Na escola, a mínima manifestação de criatividade era punida com rigor. Eu tinha 23 anos quando assumi minha orientação afetiva e fiquei atordoada com a falta de apoio”, conta.
Sem ter para onde ir, Leticia encontrou abrigo na casa da avó materna. “Eu ouvi as piores coisas da minha família, inclusive que eu era uma aberração. Fiquei deprimida por muito tempo, parei a faculdade e não conseguia trabalhar. Levei tempo para me levantar.”
A maior lição que Leticia carrega disso tudo é a resiliência. “Eu fui adiante. Aprendi que não tinha culpa pelos meus sentimentos e que a OMS (Organização Mundial da Saúde) já havia retirado há muito tempo a homossexualidade da lista da CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde). Só meus pais, médicos, é que não sabiam.”
Os desafios impostos pelo conflito familiar ampliaram a determinação de Leticia na busca por seus direitos. “A Constituição me garante viver em um país livre. Ninguém pode me impedir de exercer a minha cidadania e dignidade. Eu me expresso em todos os ambientes, inclusive no familiar. O Estado não quer saber a minha orientação afetiva na hora que eu pago o imposto de renda, então, isonomia de direitos é o básico”, defende.
Amor e superação
A reaproximação de Leticia com sua família veio há dez meses, acompanhada de um diagnóstico médico: a jornalista está na luta contra um câncer no intestino. “Foram muitos anos de exclusão do círculo familiar e nas poucas vezes em que estivemos juntos sempre rolou um climão. Agora estamos bem. Está sendo muito importante o apoio da minha mãe, do meu pai e das minhas irmãs. Acredito que tudo isso faz parte de um grande resgate, um processo maior de aprendizado. Estamos nos curando juntos”, afirma Leticia.
A comunicadora acredita que é possível construir uma sociedade em que outras pessoas não precisem passar pelo abandono familiar. “Pensando nesse sofrimento, acho que poderíamos aproveitar que estamos no século XXI e abrir mão dos preconceitos. Deixar que o amor prevaleça, independente de qualquer coisa. Eu entendo que muitas famílias não saibam lidar com essa situação, é normal, mas sempre é possível buscar apoio”, sustenta.
Mesmo no meio de um exigente tratamento quimioterápico, este ano Letícia viajará de Brasília para Porto Alegre exclusivamente para passar o dia das mães ao lado da sua. “Ela me enviou uma passagem e vai ser muito bom. Nem sei há quanto tempo não passamos a data juntas. Minhas irmãs também vão. Estou feliz! Será só alegria! Só coisa boa! Enfim estamos começando a colocar as coisas nos trilhos”, celebra.
DIÁLOGO, AMOR E EMPATIA
O Mães pela Igualdade não é um grupo de apoio e acolhimento familiar, mas existem diversos núcleos de diálogo com este caráter no Brasil. “Nós recebemos e conversamos com todas as mães e todos os pais que entram em contato conosco, mas temos um papel mais político de defesa dos direitos junto ao Estado”, salienta a terapeuta Maria Claudia Cabral.
Maria Claudia acredita que o suporte familiar é fundamental. “Eu vejo muito isso com meus amigos gays. Os que tiveram apoio familiar transitam no mundo ocupando o seu espaço, com autoestima e amor-próprio. Os que não tiveram, têm que batalhar mais para sair de um lugar apertado e se sentirem donos da própria história. Eu não jogo pedra nas mães que não aceitam os filhos, pois realmente não é fácil lidar com esta situação na sociedade conservadora em que vivemos. No entanto, o amor vence.”
A professora Georgina Martins parte de um princípio básico: “Não faça aos outros o que não quer que façam com você. O seu filho não é o que você quer, ele é o que é. Uma questão fundamental é não esconder isso de si mesmo. Quanto mais a gente oculta um sofrimento, mais ele se torna um fantasma. Se o seu filho é gay e você não sabe o que fazer, procure alguém para conversar. Converse com várias pessoas, ouça muitas opiniões, recicle suas ideias”, sugere.
O diálogo que a jornalista Leticia Perez não teve em casa, ela encontrou no ambiente familiar de Katia Ozório, sua companheira. “Na casa dela, as pessoas conversam sobre isso e então eu passei a falar mais sobre minha orientação afetiva e a ganhar voz. Eu percebi que se não me expressasse, estaria completamente anulada. Eu acho muito legal a maneira como a Leda, a mãe da Katia, age. Hoje temos uma amizade que vai além da minha relação com a Katia.”
“A Leticia é a companheira da minha filha, uma pessoa da nossa família. Eu tenho duas netas e elas cresceram vendo as duas tias se amarem e se beijarem em público. É uma geração que já vem com a cabeça mais aberta e isso é muito bonito”, afirma Leda Ozório.
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