25.7.05

Sobras

Penso, penso, penso.
Penso no que posso.
Penso no que não devo.
Penso além de.
Penso, repenso, penso.
O que posso, faço.
O resto, escrevo.

Tecelão de coisas sólidas
(ou tecelã de coisas líquidas)

Tu passeias livremente com tua opinião a meu respeito dentro da tua cabeça. Me tece em fibra arcaica.

E eu, aqui, sem saber se o que pensaste ontem antes de dormir ainda mexe contigo ao amanhecer. Eu? Eu te quero saliva. Sensato. Louco. Lágrima.

Tu passeias livremente com tua opinião a meu respeito dentro da tua cabeça.

Tuas palavras, as quero pro ar e pra mim. Teus gestos, desde os ensaiados aos espontâneos. Os quero todos. O olhar, esse sim, quero somente quando forem instantâneos à alma. E tu aí, industrioso, a edificar pensamentos sobre quem sou. Sei que não me esquece exata. Eu não te esqueço fluido, éter, volúvel.

Tu passeias livremente com tua opinião a meu respeito dentro da tua cabeça.

E eu? Tua presença sólida como todos crêem, posso vê-la líquida. Tão universo. Tão lindo por não sabê-lo. Tão não meu. Eu tão tua que prescindo.

Tu passeias livremente com tua opinião a meu respeito dentro da tua cabeça. Me tece em fibra arcaica. E eu?

Eu
imagineira
costureira
da
linha

sozinha.
Sonho

Gritos de desespero atravessam a noite silenciosa. Olho em todas as direções e não vejo ninguém. Procuro ver adiante. De nada adianta. O grito é seco e ainda mais forte. Ensurdece. Induz ao medo. Quero saber quem me grita. Distingo, então, o grito no meu grito. E redescubro-me imersa em mim. Me chamo como quem busca desvendar um culto. Só preciso deixar que eu me revele a mim mesma... Sei que estou aqui, embora finja não estar... Temo que meus olhos não iluminem os olhos do eu que me grita. Grito aqui fora, pra não ouvir aqui dentro. Grito por mim só por gritar. Simulo, já não quero me ouvir. Tudo está quieto. Saio a me procurar onde não estou e onde sei que não sou. Muda. Antagonista. E sem ecos.

21.7.05

lucidez

Eu sustento teu olhar e sussuro frágil ao teu ouvido:
- Chocolate-me, querido. Venha me provar!
Desnuta-te! E deixa que eu exista fascinada na tua carne.
Entrega-te ao desejo e me engole feito aperitivo e teoria. Hóstia e hostil.
Venha-me louco. Na noite única. Sem amanhã. Sem futuro.
Festeja em mim! Solenidade de querer e instinto!
Devora-me a alma. A pele. Princípios de idéias.
Amordaça-me a razão. Meu bom senso. Nunca tive mesmo juízo.
Sejamos fluxo e prazer.
Umideça. Saliva-me! E me sacia com tua fome de mim.
Chocolate-me, querido!

20.7.05

teorias e estatísticas

ora, ora, ora...
a crise sempre existe pra quem vive em disfarçada inércia.
há que se dispor a sonhar.
buscar e concluir.
há que desfazer o abismo entre aqui e acolá.
a realização existe sim!
ela mora onde a pomos.
o fato é que nunca a pomos
onde a gente está!
somos gente!
só gente.
tá?
vigília

anônima.
não diz a que veio.
perturba.
cansa.
provoca reflexões.
cinco e meia.
insônia.
fada ou demônia?
temperatura

teu corpo todo me chamando pelo nome
eu fui.
nem minha, nem tua.
fui pela saliva.
não pelo sentimento,
pelo calor.
nem pela tesão,
pelo aconchego.
nem minha, nem tua.
eu fui.
eu nua.
relógio

eu dou cartas
e seguro a onda
mas quando piso na bola...
cai o chão.
sou caetano não, nenhuma canção me consola
esbarro de cara
me desfaço,
me refaço.
é no silêncio que junto meus cacos...
me desmancho,
me remonto.
e sempre sobra uma peça.
oculto

amar até matar o poema
silenciar o grito
amar até secar
ou acontecer de eu
ser fonte

amar todo entanto
vezenquando um novo encanto
pra roubar reações de mim...
amar até esquecer as vírgulas
prosar só reticências

...

amar até abolir o pronome
com substantivo instintivo
sem orações subordinadas
a flexionar os verbos

amar sem semânticazinhas
toda predicada
trasitiva e direta
sem precisar de objetos
e determinada a revelar
o sujeito

nem moderna, nem eterna

cansei de ser lírio,
quero ser delírio!
cansei de ser cotidiana,
quero ser mundana!
cansei de ser travada,
a partir de agora, tarada!
me aborrece ser esperada!
quero ser devorada!
cansei de ser bobinha,
regulada,
pensativa, finita, retórica,
histórica...
quero ser
histérica!

5.7.05

Cores primárias

E o dia amanheceu num azul desesperado a me fazer cócegas na cuca. Vontade escandalosa de desvendar a arquitetura do arco-íris. E brincar de lua nesta manhã cheia de coisinhas amalucadas. Lá fora há uma densa nuvem de umidade em que a felicidade está insuportavelmente presente. E eu, estranhamente fonte. Habitualmente dúbia. O pardal que sonha ser beija-flor ensaia vôos perplexos no desejo de mel. E canta a cântaros! Me encanta torrencialmente! E eu pergunto ao céu como será o dia enquanto escuto meu vizinho dar a volta na maçaneta da porta. O papo do parque vem misturado e orquestra o gosto do meu café amargo. Na tevê, o técnico de chongas diz que graças aos investimentos feitos até aqui, a situação da educação não é catastrófica. E eu o considero mais ou menos carinhosamente um imbecil alienado e acendo um incenso como desforro. Dou de beber as minhas margaridas que, todas amarelas, retribuem com viço exuberante e contraste ao verde mato. Doces bárbaros me embalam no banho demorado como há tempos não. Lembro que não posso esquecer os cds que tomei emprestado, nem de ligar para minha mãe e pagar o condomínio. O telefone que não tenho não toca. E sobe um cheiro de saudade pela minha espinha. A blusa que vou usar deve ser de cor branca, pra refletir. A calça tanto faz quanto a sandália. Penso no meu nome completo, recolho meus apetrechos e desço as escadas bocaberteando. Volto pra buscar meu livro. Cumprimento o porteiro e o senhor da loja de lápis. Fantasio que tudo seria mais charmoso se as ruas de Brasília fossem cunhadas em nomes e sobrenomes. Penso que preciso tomar grandes decisões, especialmente aquela. Muito importante. Um sério problema sobre o qual preciso dedicadamente refletir. Resolvo isso mudando a cabeça de lugar. Me volto pros cabelos tragicamente vermelhos da moça sentada a minha frente. A reconheço, a cutuco e trocamos palavras bobas, pra passar o tempo rindo. Já é hora de descer do coletivo, obrigada e tenha um bom dia. No elevador, o ascensorista me recebe com um sorriso, mas não abandona aquele ar de reprovação e tédio toda vez que peço o segundo andar. Como se eu fosse uma grandíssima idiota por não escolher o terceiro ou o oitavo, por exemplo. Eu acho engraçado e entro na 216 rindo, bondiando todo mundo, pronta pra alugar meu cérebro. Meu chefe me pergunta como estou pra saber da minha disposição. Eu conto um pouco sobre as coisas coloridas e ele me arremessa um caminhão de missões revolucionárias para entreter meus dedos e ouvidos. É minha mãe quem me liga e logo lembro que sou uma condômina em dívida. Bons amigos me escrevem. Uma das tais me conta coisas sobre temperos, óleos essênciais e saias lésbicas, além de quase dois namorados. Uso a hora do almoço pra exercitar minha teimosia. E tinjo de preto a tela do computador pra pintar a tarde livremente.

4.7.05


tudo enquanto tanto

As coisas são tantas quantas e eu as quero todas. Minhas escolhas solavancam ao ritmo dos dias. Vezenquando me perco nos meus becos. Me descubro nos meu erros. Não receio meus medos. Hoje vi a última estrela da manhã se apagar. Há um coração fechado pra mim. O governo é rodrigueano. O meu plano está sem piloto. Eu, sobradinha. Deseixada. Tresloucada. Meus amigos me mimam demais. Minha mãe diz que não tenho jeito. Minhas contas, atrasadas. Minha sobrinha amadurece e ganha formas longe de mim. Independe de mim, afinal. Me sinto extemporânea e mantenho esta descrença na impossibilidade. Acho o desejo bonito. Sou calcada em sensações. Me encantam as dúvidas. Tive insônia noite passada. No fundo, somos só seres humanos. Acredito no amor. Adoro tomar banho na madrugada. Sentir o cheiro do sono dos meus vizinhos. Ler e sonhar. O beija-flor me visita. Está tudo exatamente no seu lugar. Esgaço meus sentimentos. E teço. Me enrolo nos lençóis da vida pra ganhar elasticidade. Dou jeitos às idéias. Brinco de palavras. Tenho um batuque no peito. E não sossego enquanto eu não for tudo.

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