5.7.05

Cores primárias

E o dia amanheceu num azul desesperado a me fazer cócegas na cuca. Vontade escandalosa de desvendar a arquitetura do arco-íris. E brincar de lua nesta manhã cheia de coisinhas amalucadas. Lá fora há uma densa nuvem de umidade em que a felicidade está insuportavelmente presente. E eu, estranhamente fonte. Habitualmente dúbia. O pardal que sonha ser beija-flor ensaia vôos perplexos no desejo de mel. E canta a cântaros! Me encanta torrencialmente! E eu pergunto ao céu como será o dia enquanto escuto meu vizinho dar a volta na maçaneta da porta. O papo do parque vem misturado e orquestra o gosto do meu café amargo. Na tevê, o técnico de chongas diz que graças aos investimentos feitos até aqui, a situação da educação não é catastrófica. E eu o considero mais ou menos carinhosamente um imbecil alienado e acendo um incenso como desforro. Dou de beber as minhas margaridas que, todas amarelas, retribuem com viço exuberante e contraste ao verde mato. Doces bárbaros me embalam no banho demorado como há tempos não. Lembro que não posso esquecer os cds que tomei emprestado, nem de ligar para minha mãe e pagar o condomínio. O telefone que não tenho não toca. E sobe um cheiro de saudade pela minha espinha. A blusa que vou usar deve ser de cor branca, pra refletir. A calça tanto faz quanto a sandália. Penso no meu nome completo, recolho meus apetrechos e desço as escadas bocaberteando. Volto pra buscar meu livro. Cumprimento o porteiro e o senhor da loja de lápis. Fantasio que tudo seria mais charmoso se as ruas de Brasília fossem cunhadas em nomes e sobrenomes. Penso que preciso tomar grandes decisões, especialmente aquela. Muito importante. Um sério problema sobre o qual preciso dedicadamente refletir. Resolvo isso mudando a cabeça de lugar. Me volto pros cabelos tragicamente vermelhos da moça sentada a minha frente. A reconheço, a cutuco e trocamos palavras bobas, pra passar o tempo rindo. Já é hora de descer do coletivo, obrigada e tenha um bom dia. No elevador, o ascensorista me recebe com um sorriso, mas não abandona aquele ar de reprovação e tédio toda vez que peço o segundo andar. Como se eu fosse uma grandíssima idiota por não escolher o terceiro ou o oitavo, por exemplo. Eu acho engraçado e entro na 216 rindo, bondiando todo mundo, pronta pra alugar meu cérebro. Meu chefe me pergunta como estou pra saber da minha disposição. Eu conto um pouco sobre as coisas coloridas e ele me arremessa um caminhão de missões revolucionárias para entreter meus dedos e ouvidos. É minha mãe quem me liga e logo lembro que sou uma condômina em dívida. Bons amigos me escrevem. Uma das tais me conta coisas sobre temperos, óleos essênciais e saias lésbicas, além de quase dois namorados. Uso a hora do almoço pra exercitar minha teimosia. E tinjo de preto a tela do computador pra pintar a tarde livremente.

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