Descaber (II)
Ainda tento argumentar pra mim mesma que a paixão é uma coisa que inventamos pra fugir da nossa falência emocional. Um sentimento de gente que não consegue enfrentar a própria miséria. Escapismo puro. Um nível de consciência muitíssimo infantil. Então a gente engatinha atrás do outro. Da vida do outro. Um atestado da nossa incapacidade de seguir em frente, de tocar adiante com os dois pés que temos. Eu ia dizer os dois pés que Deus nos deu, não é engraçado? Logo eu, que nem acredito em Deus.
Tem toda esta porra filosófica de que o ser humano é sociável, afetivo, político, transcendental. Pois só o que desejo agora é que esta tarde se apresse e o expediente acabe para eu ir logo pra casa. Cozinhar só para mim e me atirar num bom livro. Não atender o telefone, não assistir o noticiário, não acessar a internet...
Que ocorra a revolução! Alguém me conta depois! Eu fico com Rousseau! Somos autônomos, inteiros, capazes. Gustavo compreenderia minha indisposição para o mundo e tudo que existe nele. Gustavo entende tudo. E é exatamente isso que me incomoda.
Alguém disse, não lembro quem, que amar não é aceitar, que onde tudo é aceito há falta de amor. Eu concordo. Bater continência e dar de ombros podem ser situações motivadas pelo mesmo ímpeto: o descaso. A escassez de energia para enfrentar as diferenças, atenuar as divergências. Construir.
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