De touca
Dormir nunca esteve na lista das minhas 44 atividades preferidas. Lembro de passar noites insones ainda na infância e inventar mil desculpas para acordar meu pai e ter companhia. Às vezes era medo de ir ao banheiro sozinha. Noutras, era fome. Minha mãe me ensinava a contar ovelhinhas e a rezar - o que só piorava tudo, por que daí vinham mais incertezas sobre esta doidice descabida de existir e morar no mundo.
Com o tempo, descobri alternativas solitárias, como ler, desenhar, escrever, escutar música ou assistir televisão. Fazer minhas bonecas dormirem durante o dia também foi uma estratégia que me ajudou: viraram minhas companheiras notívagas. Na adolescência, época das emergências urgentes e do zumbizar dos mais variados grilos, fiz da falta de sono uma grande aliada. Tomei gosto pela coisa: dormir se tornou um desperdício.
Simplesmente não havia tempo para cerrar os olhos oito horas por dia. Era preciso estudar, trabalhar, conhecer gentes, analisar relacionamentos, me divertir, sonhar. A madrugada se tornou, então, uma diva. Enquanto todos dormiam, eu organizava meus pensamentos e bebia café com livros. Virei vampira. O cheiro do sono dos outros defumava minhas dúvidas. O silêncio apaziguava minha ânsia pelo futuro.
De uns trempo para cá, uma boa noite de sono virou top cinco. Agora gosto de sonhar dormindo. Ainda não é uma tarefa fácil e carece de certos rituais: por vezes acendo velas ou vou passeando pelos os cômodos da minha imaginação.
Depois, apago as luzes da sala de contas a pagar, colo etiquetas nos planos que vou deixar para depois, desligo o abajur do quarto de compromissos para o dia seguinte, guardo metas nas gavetas e fecho a porta. Por fim, dou uma conversadinha com o universo, deixo o corpo afundar no colchão, me despeço da realidade e descanço em paz. Amém.
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