29.4.06
Construir alguma coisa com alguém não é algo que me me motive neste momento da vida. Às vezes me conforta a paciência que Gustavo tem para minha desorientação na labuta diária. Meu desvario para compromissos pré agendados. Meu sim que vira não e vice-versa. Noutras situações gostaria que ele dissesse, vem, vem que eu te levo. Eu te governo, antecipo teu caminho. Eu te salvo.
Mas está cavado em mim: no fundo, não quero ser salva. Eu me desmancho em silêncios e contrario a fúria de evitar as consequências. Eu ardo, em febre, de medo. Mas avanço, sempre um pouco. e mais um pouco e mais...Até encontrar meu limite. Ser honesto consigo é difícil. Há que questionar o tempo inteiro. E questionar o tempo inteiro é cansativo. Extenuante. Onde estou mesmo? O que vim fazer aqui? Daqui, para aonde?
Ah, sim. Sou Sílvia Castanho, produtora, moro em Porto Alegre. Mas nasci em Juscineira, no Mato Grosso. Eu vim para o sul para compor minha vida. Trabalhar, aprender, conceber. Conheci Vinícius no caminho. Ele entrou na escala que o avião fez em Curitiba e sentou exatamente 12 fileiras atrás de mim. Foi no banheiro de um boeing 737-800s que nos falamos pela primeira vez... Mas não é sobre Vinícius que eu quero falar agora. Sempre fico melancólica quando falo dele.
28.4.06
Ainda tento argumentar pra mim mesma que a paixão é uma coisa que inventamos pra fugir da nossa falência emocional. Um sentimento de gente que não consegue enfrentar a própria miséria. Escapismo puro. Um nível de consciência muitíssimo infantil. Então a gente engatinha atrás do outro. Da vida do outro. Um atestado da nossa incapacidade de seguir em frente, de tocar adiante com os dois pés que temos. Eu ia dizer os dois pés que Deus nos deu, não é engraçado? Logo eu, que nem acredito em Deus.
Tem toda esta porra filosófica de que o ser humano é sociável, afetivo, político, transcendental. Pois só o que desejo agora é que esta tarde se apresse e o expediente acabe para eu ir logo pra casa. Cozinhar só para mim e me atirar num bom livro. Não atender o telefone, não assistir o noticiário, não acessar a internet...
Que ocorra a revolução! Alguém me conta depois! Eu fico com Rousseau! Somos autônomos, inteiros, capazes. Gustavo compreenderia minha indisposição para o mundo e tudo que existe nele. Gustavo entende tudo. E é exatamente isso que me incomoda.
Alguém disse, não lembro quem, que amar não é aceitar, que onde tudo é aceito há falta de amor. Eu concordo. Bater continência e dar de ombros podem ser situações motivadas pelo mesmo ímpeto: o descaso. A escassez de energia para enfrentar as diferenças, atenuar as divergências. Construir.
27.4.06
Ouvi dizer que esteve no Nepal. Seja lá o que for, nada dele é imprescindível pra mim. Nada nele. Não mais. Nos últimos tempos, só ioga, meditação, literatura e comida natural. E um pouco de sexo, vá lá, que o corpo pede.
Três meses. Noventa dias. Muito estranho este jeito que a gente arranjou de contar o tempo, a vida. Mudei de emprego. De casa. De hábitos. Me sinto ocasionalmente apaixonada pelo Gustavo. (O amor é circunstancial?) A samambaia morreu. E meu rosto no espelho é outro.
Eu ligaria de volta e diria que, desculpe eu havia esquecido, infelizmente tenho horário marcado no dentista. Não, no ginecologista. Na massagista. Eu tinha outro compromisso, ora. E não interessava qual fosse, era mais importante que ele. Estava decidido. Eu não iria. Depois das 20h, Vinícius disse. Eu não estaria lá.
Ou ele pensaria que eu estava solitária, erma, eternamente disponível. E de certa foma eu estava. Egocêntrico que é, imaginaria que eu aguardava apenas por aquele telefonema, aquela voz rouca e seca do outro lado da linha. E, de alguma maneira, eu aguardava. A mesma sensação de quando a gente fez amor pela primeira vez. De que era por aquilo, e só por aquilo, que eu esperava. Não sei bem como tudo aconteceu.
22.4.06
hóspede poético
Acabou que eu voltei pra Brasília
e a seca que encontrei
secou minha mágoa mal chorada...
E se fosse um rio,
também secava.
Agosto 2004.
Manuel Montenegro.
21.4.06
Ame-o e deixe-o
Ser o que ele é"
Gil
eu, no teu abraço, sou rara.
é colo, casa.
é quente, brasa.
paz que sempre cessa.
se tu nem,
vou nessa.
há urgência.
emergência.
sinto pressa.
escancaro se não falei:
eu, no teu abraço, cheguei.
mas tenho uma trilha.
abandono nossa ilha.
em busca de quê, talvez.
noutros braços,
qualquer mês.
a estação é desengano.
eu enredo um novo plano.
o prazo expira.
a manhã respira.
a única certeza rente?
eu não preciso estar agora
pra te viver presente.
17.4.06
os primeiros raios de sol chegam graciosos na minha cama. é luz que anuncia o dia. mais um, menos um. tudo é ponto de vista. e cada qual avista de onde está. as crianças da escola gritam eqüissonantes e pronto! meus ouvidos acordam. miro o teto e repasso a vida. repenso atitudes, planejo melhoras, calculo o ganha pão. mais dez minutos e me sinto apta a escutar o que querem os jovens franceses ou que estripulias pretende a oposição. louro josé é sinônimo de economia de energia e desligo a televisão. seguro as pontas das minhas ambigüidades e descarrego minha energia correndo. corro. corro pra ganhar tempo. o tempo, enfim, começa a fazer algum sentido. os dias, um após o outro. as semanas. os prazos. os meses. os limites. corro até a igrejinha e volto. os pulmões ganham resistência. o corpo avança. cansa. transpiro as últimas gotas de suor subindo as escadas. roupa na máquina, torradeira ligada, cafeteira mandando ver. respiro. respiro. profundamente. e só o banho pode levar a inquietude de mim. ralo abaixo qualquer angústia. porque existir é difícil. e viver bem pode ser opção. escolho a roupa mais confortável. e um colar que me deixe parecida comigo, pronta pra me repartir. cumprimento o porteiro, a manicure, o sapateiro, a senhora que vende balas no semáforo e a motorista da lotação. leio carta capital. a única semanal, que estou sectária convicta nos últimos tempos. chove na esplanada e me sinto leve. o ritmo está impresso. o telefone não pára. os colegas sorriem quando não estão concentrados. eu me sinto grata. agradecida. eu me sinto bem acompanhada e confiante nas minhas escolhas. respondo alguns e-mails e envio postais pelo correio. vontade de estar mais perto de quem está longe. vontade de todo mundo. disposição para o terremoto. os astros indicam que estou no ponto exato. minha mãe me dá força. os amigos, suporte. eu falo mais do que devo, me meto nos extremos, me preservo de menos. mas tenho sorte. e meu saldo é azulzinho.
16.4.06
Nas improváveis noites de amor,
Assaltas meu corpo com tua mão,
Surrupias minha alma em vão!
E derreto falsa no teu calor...
Esqueçamos coisas de nexo!
Que línguas absorvem o extremo...
Rasgam de mim o obsceno:
Enigmático labirinto convexo...
Sou outra, vária, imprevisível...
Sou louca, cega, ensimesmada..
E tu, lugar-incomum, intangível!
Me tomas raro, como (quase) ninguém
Me tomas como tua apaixonada...
Cilada! Até faz meu gozo, mas não me tens.
ela acordou bem cedo e me beijou com saudade. disse que havia perdido, em algum lugar, a nascente da própria vontade. precisava voltar. precisava voltar. então pensei que ela não havia mais como sair dali, de onde estava, daquele emaranhado de nós. de nós dois. mas disse que fosse. que buscasse em todos os lugares. em qualquer lugar. que vislumbrasse cada milímetro de vida. e assim foi. ela foi. levantou cedo, antes da galinha e das crianças. aprumou-se e foi. me deixou este gosto de saudade na boca. e toda esta cidade fantasia ao redor. os edifícios verdes me ofuscam as vistas. as grandes vias me abafam. os olhares sufocam, sufocam. só o céu é casa. tanta coragem de ser, tanta coisa pra fazer e ela se foi. madrugou. saiu antes de tudo. antes de tudo que aconteceu em mim depois que ela foi. arrancou-se de minhas pernas em busca do primeiro raio de luz da manhã. foi atrás de calor. de paz. do preto. do branco. foi lambuzar os pés. foi porque a vida não vem pra quem não vai. e o amor não espera passar a vontade.
hóspede poético
PRAÇA XV ( para a Lisi)
Ah, linda Lisi,
Em cada marquise
Do velho Mercado
Se encontra marcado
Um cheiro de povo
Nem velho nem novo
E que sempre existiu
Do que nasceu, da que pariu
De riqueza disfarçada
Da pobreza escancarada
Do sóbrio, do ébrio
Do português sério
Que negocia bacalhau
E mais o escambau.
Ali há um louco
- não, um é pouco –
Que vende alegria
E sempre que esfria
Vai mostrando a bunda
De terça até segunda.
Tem ainda aquele outro
Que em troca de troco
Senta num recanto
E desafina um canto
De dente quebrado
E olhar revirado.
Outros mais defendendo
Deus, o diabo, o reverendo,
Mansamente ao microfone
Ou gritando no megafone
O nome de outro salvador
E as virtudes do amor.
Entre tanta prece
A mulher oferece
- segurando um copo –
As delícias do corpo
Pra quem ri, banguela,
Babando por ela.
"Me dá um cigarro"
Diz com jeito cigano
A moderna bruxa
Enquanto outra puxa
E prediz a sorte
Do nascimento a morte.
Um índio pagé
(ou dando um "migué")
Oferece a pomada
Custando quase nada
E que tudo cura,
De tosse a queimadura.
(o lagarto sacana
o rabo abana
mostrando a língua
pro moço da Tinga
que pergunta curioso
do amuleto cheiroso.)
Mas há uma crise,
Minha cara Lisi,
E assim é nossa gente
Um tanto demente
Que vive sublime
Sem entrar pro crime.
Depois é a baixaria
Com tudo que cria
Trazendo pro mundo
Assim, num segundo,
A miséria e a fome
Que tudo consome.
A droga, a briga
E, por qualquer intriga,
Uma vida se vai
No sangue que esvai
Do corpo caído
Deitado ao comprido.
Tem ainda o figurante
Facilitando o assaltante
Tomar bolsa alheia
Que, dividida à meia,
Pagará mais uma pedra
Pra mandar tudo à merda.
No mais, passantes, operários,
Vendedores, estudantes e funcionários
Completam bem o cenário
Descrito neste breviário
Da loucura e da maldade
Do Centro da cidade.
Assim conto a saga
De como vejo a estrada
Mas, jamais esqueça,
Por mais que pareça
Um outro universo
É, apenas, nosso inverso.
leonelb
Inverno/2003
leonelb@portoweb.com.br
este é do leonel. meu amigo leonel.
depois do amor,
o corpo ainda queima,
o ventre ainda dança,
tua língua,
uma criança
que teima,
depois do amor.
o ventre ainda dança,
tua língua,
uma criança,
que teima,
o corpo ainda queima!
depois do amor.
o ventre ainda dança na tua língua depois do amor. criança, que teima, o corpo ainda queima. depois do amor.
12.4.06
hóspede poético
sua pele é seda
seca
água na boca
sede de seda
boca d'água
suspiros secretos
sons, sonetos, sandálias
trançadas em s
sufocadas, apertadas
em tiras largas
sinto
saudade suprema
pés cansados
tiro as sandálias
bebo a água da boca
e seco a pele
que é toda seda
letícia rocha
a lelê sempre arrasa.
grata.
8.4.06
anda porf aí sem mim.
de que tudo existe.
5.4.06
Fernando Pessoa, em Livro do desassossego.
abandonei o exagero:
quando o corpo ressona,
encerro na palavra.
quando a alma grita,
silencio na escrita.
quando há desespero.
me reparo na implosão.
toda fala guarda omissão.
4.4.06
escrevo para distrair o temor
estou cheia de assombrações
há tantas setas para o amor!
são tão íntimas indagações.
meus pés estão descalços
e esta rua não é minha
tão tênue soltar os laços
quando vem o que não vinha...
chuva aguda de medos?
amor secreto de esmos?
encharcados de nós mesmos?
acerca deste amor impossível
ergo um muro de concreto
não quero coisas do intangível
aprendi a ser esperto
chega de aventuras espirituais!
nada de corpo escravizado.
chega de ímpetos irracionais!
nada de mim embalsamado.
basta de sonhos, ascensão...
é calmaria e eu mereço!
sou mais livre na prisão.
o concreto é pedra. é seguro.
escuro. e no escuro, esqueço.
não te vejo nem esmoreço.